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Mulheres e Cidades
Mulheres e Cidades
Foto: Revelar.si
Foto: Revelar.si

Foto cedida pelo Revelar.si

O racismo e o machismo estão presentes em todas as esferas da sociedade. Na cultura, na política, na educação, na saúde. A distribuição de bens e serviços é racista, a construção das cidades é racista. No Entanto, na tentativa de ir contra isso, as mulheres se organizam coletivamente construindo alternativas outras para viver nas cidades e ocupar espaços que historicamente nos foram negados.

Esse cenário nos mostra uma movimentação efervescente de mulheres atuando a partir de seus territórios, e de suas condições de possibilidades. Essas experiências coletivas de mulheres negras periféricas nos permitem expandir e complexificar as noções de resistência e política, provocando um deslocamento que aponta para a noção de micropolítica desenvolvida no cotidiano, onde os afetos e desejos coletivos vem construindo práticas culturais, identitárias e espirituais que podem ter muito a nos ensinar sobre resistência.

Elas vêm construindo ações micropolíticas de resistência, pois não atuam no âmbito do estado, nem necessariamente se dirigem a ele, sendo iniciativas que possuem, muitas vezes, dimensão territorial e são realizadas na perspectiva de lutar pelo fim da violência contra a mulher, de lutar contra o racismo, de lutar contra as opressões que subalternizam, fragilizam e violentam os corpos das mulheres. De todas as mulheres, mas, sobretudo, das mulheres negras, pobres, aquelas que tiveram menos acesso à escola, a um trabalho digno e a políticas de saúde adequadas. São grupos que pensam e atuam a partir das margens, desde a periferia, partindo de seus corpos periféricos, indo até os centros das cidades e voltando à periferia.

As questões de gênero e raça (e a interação entre elas na dinâmica social do capitalismo tardio) não são para esses coletivos de mulheres, portanto, recortes, apenas, mas condição de atuação, porque condição das nossas vidas. São experiências posicionadas, pois dialogam com os dilemas políticos de um tempo histórico, de um contexto político e cultural, com os territórios onde estão localizadas e as pessoas que movem essas existências e presenças (incômodas) na cidade.

Por conta disso, os movimentos de mulheres vêm atuando na intenção de propor estratégias de organização coletiva na busca por formas de resistir a essa constituição social que insiste em nos colocar em lugares de subalternidade. O movimento de mulheres negras faz reflexões no interior do próprio movimento feminista. Outras, organizadas em seus territórios constroem formas de resistir às desigualdades e à pobreza, ainda que não estejam sistematicamente integradas aos espaços de representação feministas nas cidades. Intelectuais e acadêmicas negras têm dado grande contribuição na perspectiva de refletirmos sobre o feminismo e suas diferentes formas de se manifestar, na intersecção com a raça, no Brasil e fora dele.

As mulheres negras, moradoras das periferias e favelas, são ativas nos cenários políticos, culturais e artísticos da cidade. Ainda que a luta/ativismo/militância por elas protagonizada seja inicialmente relacionada às questões locais e intimamente “linkada” às condições objetivas e subjetivas das suas vidas no território, conquistam dimensões fundamentais para avançar as condições locais, alcançando impacto em toda a cidade. Nesse sentido, há várias mulheres faveladas que se destacam e ultrapassam, em ações e representações, o ambiente que predominam em suas vidas. Tal fenômeno, por sua vez, não é determinado por questões estritamente individuais, por serem iluminadas ou especiais, mas por uma questão de trajetórias, encontros, percepções de si, do outro, oportunidades, articulação e inserção nas questões sociais (FRANCO, Marielle, 2017, p. 92).

Embora as pessoas que estão nas favelas não costumem ser vistas como construtoras das cidades, suas histórias são indissociáveis. Entender a constituição das favelas, as relações que nelas se constroem é entender a própria história do humano. Narramos outras formas de exercitar experiências vividas e transformar nossas inquietudes em pontes, criando e articulando possibilidades de ação. A partir de nossa insistência em mobilizar mulheres, mostramos que possuímos um projeto de cidade, com uma escolha radical pelo território da favela. As vivências de ambos os grupos nos “apresentam os diferentes caminhos que as mulheres negras e faveladas vêm costurando para transformar o mundo e transformarem-se a si mesmas, buscando novas formas de escrever a história ― sua e de suas comunidades” (NUNES; VEILLETTE, 2022).

As iniciativas coletivas de mulheres são experiências da luta e reflexão organizadas contra a violência machista e racista que atravessa nossas sociedades, cuja estratégia tem sido gerar uma separação entre as mulheres. Por isso a importância das iniciativas coletivas de mulheres, indo na direção oposta da individualização e concorrência promovida pelo capital. Dessa forma, seguimos organizando as nossas experiências feministas para construir outras vivências nas cidades, voltadas para as nossas necessidades, sonhos, desejos. 

Referências

FRANCO, Marielle. A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista, negra e favelada Organizador, In Bueno, Wimmie Tem saída? Ensaios críticos sobre o Brasil. Editora, Zouk, Rio de Janeiro, 2017

NUNES, Nilza Rogéria de Andrade; VEILLETTE, Anne-Marie. “Mulheres de favelas e o (outro) feminismo popular”, 2022.

Auta Azevedo

Educadora popular feminista negra, atua como assessora pedagógica da Habitat para a Humanidade Brasil e articuladora da Rede Seja Democracia em Pernambuco. É Mestra em Educação e Doutora em Antropologia pela UFPE. Integra o Baque Mulher Recife e é moradora do Coque, em Recife/PE, onde constrói o Revelar.si (Coletivo de Mulheres e Fotógrafas do Coque) e o MABI (Movimento Arrebentando Barreiras Invisíveis).

Este artigo foi originalmente publicado em Caranguejo Antenado