Autor: Luís Fernandes Guedes Pinto
A MP (Medida Provisória) 759 aprovada pelo
congresso e sancionada pelo presidente Temer trata
da regularização fundiária, isto é, se refere à
propriedade da terra no Brasil.
A MP estabelece mecanismos para a titulação da
terra de assentamentos rurais e de terras públicas
devolutas. Portanto, regula a transferência de terras
públicas para o domínio privado.
Avanços na regularização fundiária são urgentes no Brasil, inclusive para
assentamentos rurais e para que agricultores familiares tenham acesso à
politicas públicas.
Ajustes na legislação são necessários, mas não com os
desvios da MP 759.
A medida foi batizada como "MP da grilagem" porque legaliza a propriedade
privada de terras públicas ocupadas ilegalmente na Amazônia, muitas com
ocupação marcada pelo desmatamento, violência e mortes. Além disso
permite a venda de lotes públicos de assentamentos.
Assim, possibilita que terras destinadas originalmente para a reforma agrária
sejam apropriadas por grandes produtores e especuladores. É o inverso da
reforma agrária, concentrando terra pela via menos ética possível. Por essa
razão, a MP foi comemorada pela bancada ruralista e repudiada pelo MST
(Movimento Sem Terra) e ambientalistas.
E devemos lembrar algumas coisas fundamentais que iluminam ainda mais as
injustiças e perversidades da medida provisória.
Primeiro, o Brasil é um país muito desigual e com uma das maiores
concentrações fundiárias do mundo. Isto é, poucas pessoas são donas da
maior parte das nossas terras. Se uma distribuição mais equitativa da terra
cunhou o desenvolvimento de países como os Estados Unidos e o Japão,
seguimos na contra-mão da concentração e desigualdade que alimentam
exclusão, pobreza e atraso.
Segundo, não precisamos de mais terras para o crescimento da nossa
produção agropecuária e para a geração de riqueza por este setor. O
crescimento é possível somente a partir da recuperação de terras degradadas
e do uso responsável das terras já abertas, sem exigir revoluções tecnológicas.
O que está em jogo é a posse e o mercado de terras e não a produção nacional.
Interessa a especuladores e para o acúmulo patrimonial de poucos. E estes
poucos sujam a imagem dos outros produtores engajados em uso da terra e
produção responsável e que buscam reputação no mercado internacional.
Finalmente, também não é necessário abrir novas terras para a reforma
agrária. Aliás, isso nunca foi necessário.
A criação de assentamentos em projetos de colonização (ou da concessão e
abertura de novas áreas públicas) somente ocorreu e predominou na dita
"reforma agrária" brasileira porque nunca de fato aplicamos a nossa política
agrária. Bastava aplicar o antigo Estatuto da Terra, de 1964, que determina
que os imóveis rurais que não cumprem o seu papel social ou não alcançam
uma produtividade mínima deveriam ser desapropriados.
Pela lei, terras de especuladores e produtores ineficientes ou irresponsáveis
deveriam ser transferidas para agricultores familiares. Isso seria uma
verdadeira reforma agrária que, combinada com uma inteligente política
agrícola, resultaria em uma agropecuária produtiva e responsável, na
conservação das nossas florestas e terras públicas e em uma distribuição mais
justa da terra e da riqueza.
Mas a MP da regularização fundiária regulariza a ilegalidade, a concentração
de terras e o desmatamento, repetindo a história da ocupação do Brasil desde
Pedro Álvares Cabral.
A MP se soma ao projeto de lei da Floresta Nacional do Jamanxim para
liberar áreas públicas protegidas e também transferi-las para o domínio
privado de especuladores e criminosos, ignorando a nossa politica agrária, o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação, incentivando a ilegalidade e a
violência no campo e reforçando a concentração da terra e a desigualdade em
nosso país.