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Até quando?
Dom Roque Paloschi*
* Presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho
“Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”
Profeta Amós 5,24
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acolhe com carinho o apelo do Papa Francisco quando nos diz:
“Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que está gemendo como que em dores de parto (conforme Romanos 8,22). Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (conforme Gênesis 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e sua água vivifica-nos e restaura-nos”
(Laudato Si, 2).
Denunciamos as violências e combateremos as injustiças!
É com um sentimento de profunda indignação que o Conselho Indigenista Missionário apresenta, neste Relatório de Violência contra os Povos Indígenas do Brasil, os dados referentes às ocorrências de 2015. Indignação porque se repetem e se aprofundam as mesmas práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas. Permanece o quadro de omissão dos poderes públicos, que se negam a respeitar e cumprir a Constituição Federal no que tange à demarcação, proteção e fiscalização das terras; permanece a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos direitos, tais como assassinatos, espancamentos, ameaças de morte; agravam-se os ataques contra comunidades, especialmente aquelas mais fragilizadas e que vivem em acampamentos; permanece a invasão e devastação das terras demarcadas.
Até quando teremos que apresentar esses relatórios?
No entender do Cimi, esses levantamentos das violações aos direitos indígenas têm um único sentido: servir como instrumento de denúncia para que medidas sejam tomadas e, com isso, as violências, que são práticas contínuas, venham a ser combatidas, diminuídas, e que se consiga chegar a uma realidade justa, na qual sejam respeitados os direitos humanos.
Lamentavelmente, convivemos ainda com períodos de sofrimentos extremos e de incertezas quanto às possibilidades de futuro. Com pesar, denunciamos a morte prematura de centenas de crianças indígenas por falta de assistência médica adequada, por falta de saneamento básico, por falta de um lugar para morar, de água potável para beber e tomar banho; denunciamos o assassinato de lideranças que lutavam em defesa de seus povos e comunidades; denunciamos o confinamento em reservas onde é negado o direito mais fundamental à terra para viver e poder exercitar a cidadania indígena – suas culturas, crenças, tradições; denunciamos a devastação do meio ambiente por madeireiros, garimpeiros, mineradoras, hidrelétricas e barragens; denunciamos a desumana realidade de centenas de comunidades que vivem na beira de estradas; denunciamos o poder Judiciário que tem priorizado, em seus julgamentos, a defesa da propriedade – nem sempre legal, nem sempre legítima – em detrimento dos direitos originários dos povos indígenas.
A Terra, para os povos indígenas, não é um bem econômico, mas dom de Deus e dos seus antepassados; é espaço sagrado. Na cosmovisão indígena, são eles que pertencem à Terra e não o contrário, porque a Terra é mãe, é vida. Pertencer à Terra, ao invés de ser proprietário dela, é o que define o indígena. Mas esses espaços sagrados são violados por um modelo econômico homogeneizante e excludente, conduzido por pessoas que “não sabem viver com honestidade, mas com extorsões e exploração, acumulando riquezas em suas casas” (conforme Amós 3,10), em detrimento da vida.
Acreditamos que este relatório sirva como um instrumento na busca de soluções para os graves e profundos problemas que afetam a existência e a dignidade dos povos indígenas, pois esta é efetivamente sua função. Todavia, se isso não acontecer, insistiremos nas denúncias e continuaremos combatendo as injustiças.
O Compromisso do Cimi é estar a serviço das causas e da Vida dos povos indígenas.