Talvez você já tenha ouvido falar que a maior parte da comida que chega à mesa do brasileiro hoje é produzida pela agricultura familiar e nãopelo agronegócio. Se já sabia, guarde bem a informação porque, em breve, ela não será mais verificável. Não que o cenário tenha se alterado. O que mudou foi a pesquisa que permitiu comprovar essa e muitas outras informações que têm ajudado a desmistificar a realidade do campo brasileiro. É que o próximo Censo Agropecuário, além de acontecer atrasado, vai levantar muito menos dados do que o anterior. A justificativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de que foi necessário fazer uma “simplificação do questionário inicialmente concebido” em função de um corte de mais de 50% do orçamento originalmente previsto para a pesquisa.
No texto introdutório, o próprio documento, assinado pela Gerência Técnica do Censo Agropecuário, reconhece que “a redução do questionário foi drástica”, embora afirme que ele “atende minimamente” ao retrato desse setor no país. Isso, no entanto, está longe de ser consenso. “É um retrocesso não só em relação a 2006, mas em relação à história mais profunda e longa do censo agropecuário. Vamos perder caracterização que permite comparações históricas. É um desserviço brutal à analise das características da agricultura brasileira”, afirma o pesquisador Paulo Alentejano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e diretor da associação de servidores da instituição, a Asduerj. Esse documento inicial sofreu críticas de especialistas que historicamente discutem com a equipe do censo agropecuário e teve mudanças na versão final, lançada nesta segunda, dia 3 de abril, durante uma coletiva de imprensa promovida pelo IBGE. O grande recuo se deu em relação às perguntas sobre renda e preço da terra, que voltaram a fazer parte do questionário. Para alguns pesquisadores, no entanto, as questões mais diretamente ligadas à caracterização da agricultura familiar e ao uso de agrotóxicos ainda não estão contempladas.
O que se perde
De fato, no centro da crítica à redução do questionário está a preocupação com a perda de informações que permitiram, nos últimos anos, traçar um retrato mais fiel da agricultura familiar no Brasil. Em carta encaminhada ao presidente do IBGE, em que pede a revisão dessa decisão, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirma que “a supressão dessas questões por certo prejudicará a caracterização da agricultura familiar em aspectos essenciais para sua compreensão e consequente adoção de políticas públicas que possam envolver seu universo”. Durante a coletiva de imprensa, o gerente do Censo Agropecuário Antonio Florido ponderou que, na verdade, o censo nunca teve uma pergunta direta sobre agricultura familiar. Mas Paulo Alentejano ressalta que o censo anterior trazia campos de informações que, uma vez combinadas e tabuladas, permitiam chegar a importantes conclusões sobre esse tema. E a afirmação que abre esta reportagem é um dos principais exemplos disso. Isso, segundo o pesquisador da UERJ, será perdido porque, com o questionário reduzido, sequer será possível diferenciar os empreendimentos agropecuários que são ou não familiares. São exemplos de perguntas eliminadas, nesse caso, aquelas que permitiam identificar se o produtor é ou não proprietário do estabelecimento, se mantém outro tipo de vínculo – como concessionário, arrendatário e parceiro -, se produz em mais de uma ‘terra’, e, principalmente, se o local trabalha ou não em “regime de economia familiar”. “Estamos vivendo uma hegemonia tão grande do agronegócio que não se quer mais nem identificar a existência da agricultura familiar como algo importante no Brasil”, denuncia Alentejano, explicando que nos últimos anos essas informações foram fundamentais para a discussão sobre políticas públicas que fomentassem os pequenos produtores no país.
O professor Sergio Schneider, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), conta como, incomodados com a realidade do campo brasileiro que o censo de 2006 mostrou, os setores do agronegócio resolveram disputar os dados e as conclusões científicas. “Ao cumprir a lei da agricultura familiar, classificando os estabelecimentos e o tamanho da agricultura brasileira como familiar ou não familiar, o censo de 2006 mostrou uma coisa que nós, técnicos, já sabíamos, mas que a sociedade brasileira como um todo não conhecia: que a pequena agricultura contribui de forma muito significativa para a agropecuária brasileira. A agricultura familiar representa 86% dos estabelecimentos, gera 35% do PIB [Produto Interno Bruto] e contribui com 70% dos empregos”, descreve. E ele diz que isso incomodou tanto o agronegócio que a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) decidiu contratar a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro para fazer um estudo específico que mostrasse que a importância da agricultura familiar não era tão grande assim. A partir daí, diz, travou-se um embate entre pesquisadores – incluindo a equipe que trabalhava no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) – sobre a interpretação desses dados.
Agrotóxicos e impactos à saúde
Não era para menos. Foi também a partir de informações do último censo agropecuário que, segundo Paulo Alentejano, se pôde reforçar a crítica ao uso abusivo de agrotóxicos no Brasil, um processo que tem impacto na saúde tanto dos consumidores de alimentos como dos trabalhadores que aplicam essas substâncias. Na entrevista coletiva, o IBGE explicou que a informação estrutural – se o produtor usa ou não agrotóxico – foi mantida, reduzindo-se apenas o “detalhamento”. Nos ‘detalhes’, no entanto, estavam questões sobre o tipo de agrotóxico utilizado, o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) pelos trabalhadores, o que os produtores fazem com as embalagens dos agrotóxicos depois de utilizadas, qual o modo de aplicação do agrotóxico e se houve casos de pessoa intoxicada no estabelecimento no ano anterior. O argumento é que essas informações retiradas agora poderão ser aprofundadas em pesquisas por amostragens que devem derivar desse censo, já que o IBGE planeja criar uma Pesquisa Nacional por Amostra de Estabelecimentos Agropecuários, que coletaria dados anualmente. Perguntado sobre se, diante do corte orçamentário, haverá recursos para garantir que essas pesquisas aconteçam, o gerente do censo agropecuário, Antonio Florido, respondeu que isso dependerá “da pressão que vocês forem capazes de fazer”. Paulo Alentejano reconhece que, “tecnicamente”, apesar da margem de erro maior, uma pesquisa por amostragem específica pode mesmo aprofundar dados sobre um determinado tema. Mas ele comenta que, além da falta de dinheiro, no caso dos agrotóxicos e da agricultura familiar, não há nada no ambiente político no país que indique que isso realmente vá acontecer. “Não há nenhum interesse desse governo em identificar dados que sustentem a crítica que vem sendo feita aos agrotóxicos, por exemplo”, diz.
Os efeitos do consumo de alimentos com agrotóxicos sobre a saúde e os riscos implicados no manejo dessas substâncias pelos trabalhadores do campo tornaram esse tema central no debate científico da saúde pública. Mostra disso é o fato de a Fundação Oswaldo Cruz, maior instituição de pesquisa em saúde da América Latina, ter participado da organização do ‘Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde’, uma das publicações mais importantes sobre esse tema no Brasil. E uma rápida olhada no ‘Dossiê’ dá ideia do prejuízo que o não mapeamento desses dados poderá provocar. Um dos temas que o livro aborda, por exemplo, indica a intensidade do uso de agrotóxicos por tamanho da propriedade e por município no Brasil. Em outro estudo destacado no ‘Dossiê’, é ressaltado o alto índice de estabelecimentos que, segundo os dados do censo de 2006, não faziam o descarte adequado de embalagens de agrotóxicos e dos seus resíduos tóxicos, ressaltando as diferenças sociorregionais expressas também nesses números. Com o questionário reduzido, não será possível avaliar o quanto se avançou nesse quesito porque não haverá dados para serem comparados.
O professor Sergio Schneider ressalta também a importância dessas informações do censo agropecuário para se ter a noção dos agrotóxicos ilegais que chegam ao Brasil por meio de contrabando. Segundo ele, hoje se tem o mapeamento da entrada desses produtos no país a partir da declaração das empresas que comercializam. Sem os dados que discriminam quais substâncias são usadas, e que só são coletadas pelo censo agropecuário, esse controle fica seriamente dificultado.
André Burigo, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fiocruz, e um dos organizadores do ‘Dossiê’, diz que esses cortes se tornam ainda mais graves num contexto de aumento do uso de agrotóxicos no Brasil. Segundo ele, os dados de comercialização desse produtos, declarados pelas empresas e organizados pelo Ibama, mostram que do ano em que as informações do último censo foram coletadas (2005) até 2014 mais que dobrou a quantidade dessas substâncias vendidas, chegando a 508,5 toneladas. “Num contexto que levou o Brasil a se tornar o maior mercado de agrotóxicos do mundo a partir de 2008, o Censo Agropecuário deveria aumentar o número de questões sobre o tema, de forma a contribuir para uma análise mais detalhada sobre a grave situação do país em relação ao consumo de venenos agrícolas e suas possíveis consequências. Estamos caminhando no sentido contrário. Sem dados, como vamos analisar a realidade?”, critica. E completa: “Precisamos analisar esse corte de informações sobre agrotóxicos no Censo combinado com outros elementos da conjuntura política brasileira. Porque estamos diante de um forte ataque do agronegócio para flexibilizar a regulamentação dos agrotóxicos no Brasil, diminuindo a importância dos setores Saúde e Meio Ambiente na regulação, e ocultar seus impactos”.
Burigo afirma, inclusive, que, no campo do levantamento de dados, esse não é o primeiro ataque. Ele cita como exemplo do mesmo processo a recente divulgação do relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que gerou, inclusive, um manifesto crítico aprovado no Simpósio Brasileiro de Vigilância Sanitária (Simbravisa), que aconteceu dias depois. Considerado o sistema de monitoramento dos impactos dos agrotóxicos mais importante que se tinha no país, a partir de 2013 o PARA deixou de ser divulgado anualmente. Em novembro do ano passado, quando foram apresentados dados sistematizados de três anos, foi possível identificar que tinha havido mudança também na metodologia: agora, o programa relacionava a contaminação dos alimentos diretamente aos riscos agudos de intoxicação. O problema, diz Burigo, é que as pesquisas na área mostram que os resíduos de agrotóxicos nos alimentos devem ser relacionados principalmente com efeitos crônicos à saúde, portanto, de longo prazo. Segundo o pesquisador, o formato da divulgação manipulou informações de modo a minimizar os impactos à saúde. “Tudo que o agronegócio queria”, ironiza. E compara: “O que está acontecendo com o censo agora tem relação direta com a fragilização do PARA. Estamos diante de uma ofensiva do agronegócio para ocultar os efeitos dos agrotóxicos no Brasil”.
Motivações e contexto político
O IBGE tem se desdobrado para explicar que o questionário mais enxuto se deve à redução orçamentária. Em documento explicativo distribuído à imprensa, o órgão descreve a saga percorrida até a viabilidade desse novo censo que começará a ser realizado em outubro deste ano. Originalmente, a proposta do Instituto era realizar o censo agropecuário em 2015 e a contagem da população 2016 como duas “operações sequenciais”. Mas a proposta orçamentária incluída na Lei de Orçamento Anual (LOA) em 2014 não foi aprovada pelo Congresso Nacional. Projeto semelhante o IBGE fez no ano seguinte e, dessa vez, chegou a aprovar o orçamento no Congresso, mas logo em seguida o governo federal remanejou os recursos para outros órgãos. “A contagem da população foi cancelada e o censo agropecuário foi adiado”, diz o documento. Em 2016, nova tentativa. Com um questionário completo, que, segundo Sergio Schneider, mantinha todos os campos do censo 2006 e acrescentava outros, sugeridos por especialistas, o cálculo foi de um custo de R$ 1,63 bilhão, distribuídos pelos anos de 2017 e 2018. Dessa vez, a má notícia veio antes: a proposta nem chegou ao parlamento, sendo vetada já pelo Executivo. Sem previsão orçamentária, o projeto atual só foi possível graças a uma emenda parlamentar proposta pela senadora Ana Amélia (PP-RS), que atualmente é suplente na Comissão de Agricultura, Pecuária e Reforma Agrária da Casa. Mas o montante, de R$ 505 milhões, representa um terço do previsto.
A “simplificação” do questionário seria, então, o caminho adotado para adequar o projeto ao novo orçamento reduzido. O objetivo, segundo o IBGE, é garantir que o tempo médio de entrevista caia de 90 para 40 minutos. Assim, a ideia é que um número muito menor de profissionais – 26 mil em vez dos 82 mil considerados necessários para o censo completo – dê conta de visitar os 5,3 milhões de estabelecimentos agropecuários que existem no país. O corte foi feito também na quantidade de equipamentos utilizados e nos postos de coleta presenciais, que antes seriam instalados em 5100 municípios e agora vão existir em apenas 1376.
Não há dúvida, portanto, de que as dificuldades orçamentárias existem. Mas, para Paulo Alentejano, o caminho escolhido para driblar o problema foi profundamente seletivo, optando-se por preservar as questões que reforçam um retrato do campo brasileiro que interessa ao agronegócio. “É importante não esquecer que o novo governo extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, um espaço de defesa da agricultura familiar por dentro do Estado. O MDA, inclusive, foi importantíssimo na sugestão de questões que melhoraram muito o censo agropecuário de 2006. Só sobrou o MAPA [Ministério da Agricultura e Pecuária], que representa os interesses do agronegócio. A hegemonia desse setor nunca esteve em questão, mas foi, de alguma maneira, arranhada por críticas que se fez em relação à falta de controle sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, à destruição ambiental produzida pelo agronegócio e também à comprovação de que a produção de alimentos provém fundamentalmente do trabalho familiar e não do processo da exploração do trabalho no campo”, analisa. E conclui: “É uma tentativa de eliminar informações que, principalmente a partir das melhorias implementadas no último censo, forneceram mais elementos para se fazer a crítica do agronegócio”.
O professor Sergio Schneider também acha importante considerar as disputas políticas que estão sendo travadas por dentro do censo. “O censo virou um campo de batalha entre o chamado setor do agronegócio e o setor da agricultura familiar e do desenvolvimento rural. Essa é a questão que está por trás desses debates”, diz. E ele ressalta que, especificamente em relação à versão atual, o cenário se agrava porque, abrangendo o intervalo de 2006 a 2016, a pesquisa deveria mapear as principais mudanças promovidas pelas políticas públicas do governo Lula. Segundo Schneider, por um lado, esse censo deveria captar os efeitos de iniciativas como os programas de crédito, o Bolsa Família, entre outros que, na sua avaliação, tiveram um impacto muito grande no meio rural. Por outro, diz, a pesquisa coletaria também dados sobre o grande crescimento da produção agropecuária, especialmente o aumento exponencial de uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, além de problemas como a ocupação da região do cerrado, por exemplo, no chamado Matopiba. “Esse censo vai ser uma radiografia importantíssima”, alerta. A questão é: será ou seria?
Quem participou?
Reconhecendo as dificuldades trazidas pela restrição orçamentária, Dione de Oliveira, da diretoria do Sindicato dos trabalhadores do IBGE, questiona a definição desses cortes sem o devido diálogo com pesquisadores e outros usuários – processo muito diferente, segundo relato de vários pesquisadores, do que aconteceu no censo de 2006, elaborado a partir de uma grande interlocução com a sociedade. “Não houve um debate coletivo sobre isso”, lamenta Dione.
Na entrevista coletiva em que o novo censo foi pré-lançado, o IBGE informou que o documento que gerou polêmica era uma cópia interna de trabalho, que depois de finalizada seria submetida à análise de especialistas externos. Esse processo teria sido concluído na semana anterior, com a escuta de 28 “usuários consultivos” que foram nomeados numa lista distribuída durante o evento. O Portal EPSJV/Fiocruz entrou em contato com três desses pesquisadores e constatou que, de fato, o processo de participação foi, no mínimo, inconcluso.
O professor Sergio Leite, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), foi surpreendido com a informação de que seu nome constava da lista. Recém-chegado de uma missão acadêmica no exterior, ele reconheceu saber da existência de uma polêmica em torno do novo censo, mas disse que não teve condições de se inteirar do assunto. O professor – que é usuário do censo e já participou de um grupo de acompanhamento dessa pesquisa a convite da ex-presidenta do IBGE – confirmou ter recebido uma mensagem do instituto na sexta-feira, 31 de março, e outra no próprio dia 3, quando foi lançada a versão final do questionário. Ele garante, no entanto, que não respondeu a nenhuma delas e não autorizou a divulgação do seu nome.
Os professores Lauro Mattei, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e Sergio Schneider narraram um longo histórico de discussão e participação no censo agropecuário e confirmaram a discussão sobre o questionário mais reduzido numa “rede de pesquisadores”. Nenhum dos dois, no entanto, diz ter ‘aprovado’ a versão final que, embora tenha recuperado alguns campos, continua excluindo informações consideradas importantes. “Na rede de pesquisadores o debate recente se pautou pela necessidade de se ter informações atualizadas, mesmo em um contexto de crise que afetou a todas as instituições públicas. No caso particular do censo agropecuário, isso afetou a possibilidade concreta de se ter um censo detalhadíssimo como era feito. Assim, muitos pesquisadores se manifestaram favorável à execução do censo mais reduzido, porém tentando-se garantir algumas questões essenciais que, sob hipótese alguma, deveriam ficar de fora”, explicou Lauro Mattei, por email. E, tratando do questionário final, que teria sido revisado pelo grupo de “usuários consultivos” entre os quais ele se encontra, respondeu: “Alguns colegas já se manifestaram que a nova versão divulgada é bem melhor que a anterior, inclusive porque incorpora o tema das rendas rurais, bem como voltou a contemplar algumas questões relativas à agricultura familiar. Todavia, ainda não está claro para mim os efeitos totais dessas mudanças, uma vez que defendi a necessidade de se ter um censo agropecuário o mais completo possível”.
Depois de muitos elogios à equipe técnica responsável pelo censo agropecuário no IBGE – que, segundo ele, sempre incentivou a participação de usuários na elaboração da pesquisa, com uma escuta muito sensível ao que vinha dos espaços da academia -, Schneider reconhece alguma melhora no questionário final em relação à versão anterior, mas diz que “não se conformou” com ele. “No detalhe, se você olhar o questionário, eu acho que há razões para ficar um pouco mais otimista. Mas a avaliação que a gente tem é que, se aplicado, esse questionário com cortes vai tornar a pesquisa muito parecida com o censo de 1995/1996. Ou seja, nós vamos regredir 30 anos!”, lamenta. E completa: “É um empobrecimento injustificável e inaceitável do ponto de vista das estatísticas agropecuárias, especialmente olhando-se as mudanças sociais no meio rural. Entre elas está esse ponto gravíssimo que é o fato de o Brasil ter se tornado o campeão mundial de uso de agroquímicos e os problemas de saúde terem se agravado muito nas populações rurais. E a gente não vai ter dados censitários sobre isso”.
Internamente, a diretora do sindicato do IBGE afirma que nem a equipe técnica responsável pelo censo agropecuário teve autonomia nessa decisão. De acordo com a assessoria de imprensa do Instituto, o processo de elaboração do questionário com os cortes “foi conduzido pessoalmente pelo presidente do IBGE, juntamente com vários especialistas da área e as equipes técnicas e operacionais do Censo Agro”. Paulo Rabello de Castro assumiu a presidência do órgão em 2016, por indicação do governo Michel Temer. A nomeação gerou fortes reações do Sindicato do IBGE, que denunciou conflito de interesses pela sua condição de empresário – dono da RC Consultoria, fundador e, na época, presidente da SR Rating, segundo o site -, o que seria proibido por lei. Em 13 de junho do ano passado, o sindicato enviou uma carta pública ao presidente da república na qual, depois de resumir o currículo do indicado, afirmava que “tais fatos concretos, da venda de consultoria ao mercado privado, que naturalmente incluem a análise dos dados do IBGE, configuram flagrante e irrefutável conflito de interesses visto que o IBGE é um órgão público que recolhe, trabalha e detém inúmeras informações privilegiadas”. Atualmente, o sindicato tem criticado publicamente uma entrevista de Rabello ao jornal Correio Braziliense em que, além de defender uma reforma da previdência mais dura, ele cita o novo (e polêmico) censo agropecuário como exemplo positivo de como “fazer mais com menos” – na mesma linha, durante a entrevista coletiva a coordenadora operacional do censo, Maria Vilma Garcia afirmou que, apesar de ser “ruim para o Brasil”, o desemprego “ajuda” o novo censo a “trabalhar com salários menores”. Na sua trajetória empresarial, Rabello foi também presidente de uma empresa de projeto e estruturação de negócios que tem o agronegócio como um dos focos principais.
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