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O termo “grilagem” remete à prática antiga de forjar um título de propriedade e colocá-lo em uma gaveta com grilos para amarelar o documento, conferindo a aparência de um documento legitimo. As táticas se modernizaram, persistindo diversas práticas, conhecidas como grilagem, que buscam fraudar títulos e invadir terras com o objetivo de apropriar- -se indevidamente de áreas tanto públicas quanto particulares, muitas vezes com o auxílio de agentes corruptos, sejam eles da esfera pública ou privada.
Contudo, se o problema é conhecido há muito tempo, ainda são incipientes as tentativas de sistematizar os riscos de fraude e corrupção que viabilizam a grilagem. Nesse contexto, esta pesquisa busca justamente identificar e compreender esses riscos, sugerindo soluções para aprimorar o combate à grilagem no país. Essa abordagem nos permite perceber a grilagem por novos ângulos e reforça a urgência de se aprimorar a governança, a integridade e a transparência do sistema de administração de terras do país, bem como da mobilização do arcabouço legal e institucional anticorrupção e antilavagem para melhor enfrentar o problema.
Via de regra, a grilagem envolve diversas fraudes em registros públicos, cadastros de terras, processos de regularização fundiária e demais sistemas de informação da administração pública, que podem ser facilitadas por práticas de corrupção.
Para viabilizar a grilagem, pecuaristas, sojeiros, madeireiros, empresários locais, investidores imobiliários e demais agentes que podem atuar como líderes de organizações criminosas, articulam uma série de profissionais para operacionalizar seus esquemas, escapar das sanções e lucrar com o crime. Isso pode incluir funcionários públicos corruptos, advogados, cartorários, juízes, agrimensores, “empreendedores” do desmatamento, policiais e pistoleiros, bem como laranjas e testas-de-ferro, para dissimular os verdadeiros beneficiários dos crimes.
A grilagem de terras gera impactos sociais, ambientais e econômicos dramáticos. Nas regiões afetadas por esse grave problema, povos indígenas e comunidades tradicionais, assim como pequenos e grandesprodutores, sofrem com as invasões de terras.
Muitas vezes, esses conflitos são acompanhados de ameaças, tentativas de intimidação, extorsão, agressões, assassinatos e outras formas de violência contra os ocupantes legítimos das terras que se mostrarem um obstáculo aos esquemas de grilagem.
A grilagem prejudica também o desenvolvimento econômico, já que gera instabilidade e fragiliza a segurança jurídica dos direitos de propriedade.
Quando ocorre em florestas públicas, em particular na Amazônia, a grilagem leva ao desmatamento e à exploração ilegal dos recursos naturais. Nesse sentido, a grilagem traz a floresta amazônica cada vez mais próxima do ponto de não retorno, levando a um colapso do bioma. Além disso, contribui com a aceleração da crise climática global, já que, em 2020, 46% das emissões de gases a efeito de estufa do Brasil resultaram de mudanças no uso da terra (principalmente supressão florestal). Vale ressaltar ainda que essa porcentagem está aumentando com o crescimento acelerado das taxas de desmatamento nos últimos anos.
Diante desse cenário, esta pesquisa buscou diagnosticar quais são as fragilidades da governança de terras que sustentam a grilagem, assim como quais são as práticas de fraude e corrupção usadas para se apropriar indevidamente de áreas públicas e privadas. Para tanto, além de uma revisão da literatura e de entrevistas, foram analisadas 11 operações do Ministério Público com órgãos policiais em oito estados para entender as diferentes estratégias dos grupos criminosos que grilam terras. Por meio dessa metodologia, foram identificados 21 riscos de fraude e corrupção que viabilizam a grilagem de terras. O mapa a seguir apresenta as operações estudadas e os aspectos analisados nesta pesquisa.