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News & Events Política agrária e Incra: questão de (des)ordem ou de (des)igualdade?
Política agrária e Incra: questão de (des)ordem ou de (des)igualdade?
Política agrária e Incra: questão de (des)ordem ou de (des)igualdade?
Arquivo/EBC
Arquivo/EBC

“Estamos falando de terras que param de produzir arroz e feijão para atender aos interesses de fora do país”.(Arquivo/EBC)


Por Carlos M.Guedes de Guedes*


Das repercussões sobre a nomeação do general João Carlos de Jesus Corrêa para a presidência do Incra acompanhei particularmente os elogios a respeito da decisão presidencial. Os argumentos enfatizam a “necessária colocação de ordem” na questão agrária e na gestão da autarquia. O motivo, dizem, se deve ao fato do Incra ter se tornado um órgão que, ao fim e ao cabo, se notabilizou por recepcionar demandas democráticas sobre a desconcentração da terra e reparações históricas como a regularização dos territórios quilombolas, previstas na Constituição Brasileira. Um problema na visão de alguns. Fala-se em “pente-fino” na autarquia e uso da autoridade militar para resolver os conflitos fundiários no Brasil.


 


Vale lembrar que os movimentos sociais rurais de luta pela terra (re)nascem exatamente durante a ditadura militar[1]. Ou seja, não é novidade sentarem à mesa com militares sobre conflitos agrários e possíveis soluções. A novidade do próximo período talvez esteja no desafio de compreender como a questão da propriedade da terra se relacionar mais intensamente com o capital financeiro, e de que forma essa conexão provoca mais concentração e riqueza para poucos. Para o órgão fundiário, o desafio está em reconhecer a questão e enfrentá-la, ou assistir passivamente. Esse é um problema real que se acumula a outras medidas do atual governo, como o enxugamento fiscal da política agrícola, as perdas de mercados externos por postura ideológica, e retirada de mecanismos de proteção para produção interna. O MST é mesmo o problema? E as dívidas dos agricultores nos bancos, e a enxurrada de leite importado que liquidará a produção nacional[2]?


 


Por meio da Lei de Acesso à Informação[3] é possível conhecer não apenas o que está acontecendo no rural brasileiro, mas também quem está se apropriando dos ganhos no campo. Dados do cadastro do Incra e da certificação de imóveis rurais sobrepostos ao Cadastro Ambiental Rural e dados do IBGE nos mostram a expansão das commodities agrícolas sempre demandando mais terras. Nessas mesmas regiões, entretanto, vivem comunidades que cultivam comida e praticam agricultura ou pecuária de economia familiar. A partir da retirada negociada ou de forma violenta das ocupações tradicionais, inicia-se um processo em que os ganhos produtivos se combinam com os ganhos especulativos; há um salto exponencial em lucratividade, etapas são abreviadas em função do baixo preço da terra com vegetação nativa a ser suprimida e mão-de-obra disponível e barata. O progresso técnico consolida o ciclo. O desmatamento aumenta o PIB. O território é transformado.


 


A partir do momento em que foi atingido o teto de ganhos nos territórios conquistados, novas áreas são necessárias. Em vez de recuperar terras degradadas em latifúndios, buscam Unidades de Conservação e Terras Indígenas, porque expandir sobre essas áreas é mais barato do que recuperar solos exauridos. O número de empresas donas de terras no Brasil cresce a cada ano, cada vez mais associadas a fundos de investimento internacionais[4]. Tais empresas acessam os limitados recursos do crédito rural e novos mecanismos de financiamento porque oferecem menor “risco” aos bancos. E assim, o círculo vicioso da exclusão impede que pequenos e médios consigam competir. Está aberta a fábrica de sem-terra, pois não resta outra alternativa a não ser abandonar a atividade e vender o patrimônio, já que, fruto da especulação, a propriedade adquire um preço muito superior ao retorno que os cultivos alimentares conseguem obter. Quando interesses externos definem a continuidade ou não de famílias produtoras no campo do Brasil, estamos falando, sim, de perda de soberania territorial e alimentar. Estamos falando de terras que param de produzir arroz e feijão para atender aos interesses de fora do país.


 


Soberania continua sendo palavra de ordem nos concorrentes internacionais do Brasil no mundo do “agro”. Aqui, sempre tivemos setores da sociedade atentos a esse tema, nos quais se incluíam os militares. É do período militar a criação da Lei 5.709/71, que trata da limitação da aquisição de terras por estrangeiros. Assim voltamos à questão de ordem para a nova gestão do Incra: ceder aos interesses internacionais a partir de seus prepostos fora e dentro do governo, ou impor limites à expansão especulativa a fim de não ampliar desigualdades no campo e, consequentemente, não aumentar o número de sem-terra para se preocupar.


 


NOTAS


 


[1] “Acampamento Encruzilhada Natalino – MST.”  Acessado em 11 fev. 2019.


 


[2] “FAEP alerta que fim de tarifas antidumping do leite vai prejudicar o ….” 8 fev. 2019, . Acessado em 11 fev. 2019.


 


[3] “LAI: A Lei de Acesso à Informação — Acesso à Informação.” Acessado em 11 fev. 2019.


 


[4] “TIAA-CREF, U.S. Investment Giant, Accused of Land Grabs in Brazil ….” 16 nov. 2015, Acessado em 11 fev. 2019.


 


(*) Analista do Incra, ex-Presidente do Incra entre junho de 2012 e março de 2015


 


Este texto foi originalmente publicado em Sul21. Texto original aqui.