O dia 09 de outubro de 2018 entrou para a história da luta dos povos indígenas em Minas Gerais. Foi um dia em que os Povos Indígenas Kiriri, Pataxó, Kamakã Mongoió e Tuxá estiveram em Belo Horizonte, na Cidade Administrativa, sede do governo do estado de Minas Gerais, para reunião com representantes da Mesa de Negociação do governo de Minas. Além de serem indígenas, de lutarem por seus direitos e por políticas públicas a que têm pleno direito, há ainda outro ponto em comum: os Povos Indígenas Kiriri, os Pataxó, os Kamakã Mongoió e os Tuxá ocupam terras ociosas do estado de Minas Gerais, áreas que não estavam cumprindo sua função social. Todos estão em processo de negociação e ainda sem nenhuma solução ou acordo com o estado de Minas que garanta a posse definitiva dessas terras a essas comunidades indígenas que lutam por território: luta justa, legítima e necessária. Abaixo, segue um panorama geral da situação desses povos.
Oriundo do município de Muquém do São Francisco, na Bahia, o Povo Indígena Kiriri teve que vir para Minas Gerais, em decorrência da busca de condição de vida, visto que o seu território diminuído pelo avanço do latifúndio não comportava toda a população indígena e as condições climáticas na região estão cada vez mais dramáticas. Desde março de 2017, 16 famílias do Povo Kiriri moram em uma área situada no bairro rural do Rio Verde, distante 7 km da sede de Caldas, no sul de Minas Gerais. Lá, os Kiriri já construíram casa de pau a pique, espaço cultural, plantaram lavouras e já constituiu uma Comunidade, lugar bom de viver e conviver. Infelizmente, sob o terror psicológico da Polícia Militar e da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), com decisão injusta do poder judiciário, sob pressão do Governo de Minas para despejá-los, foram pressionados por funcionários do Governo estadual e da prefeitura de Caldas a deixarem o local em abril de 2018, tendo sido levados para Patos de Minas em cumprimento a uma determinação judicial que determinou a reintegração de posse das terras que eles ocupavam. Mesmo sem título de propriedade da terra e sem estar na posse da área, a UEMG exigiu e conquistou junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) liminar de reintegração de posse, decisão inconstitucional e injusta. Após perceberem que o local indicado em Patos de Minas era, na verdade, uma terra tradicional quilombola e que também estava ocupada por um Acampamento de Sem Terra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os Kiriri, com o apoio da Comunidade de Caldas, resolveram voltar para o mesmo terreno em Caldas, no sul de Minas. Lá eram esperados pelos moradores locais do bairro Rio Verde que vêm os apoiando e os acolhendo como podem e que chegaram, inclusive, a fazer um Abaixo-Assinado em apoio ao Povo Indígena Kiriri e à sua permanência definitiva no local. “A terra aqui não é da UEMG. A UEMG nunca esteve na posse dessa terra. Quem tem direitos de permanecer nessa terra são os indígenas Kiriri”, afirmou na reunião Sandra Paula Silva das Dores, representante da Comunidade circunvizinha de Rio Verde, no município de Caldas, no sul de Minas. A área onde os Kiriri estão possui cerca de 60 hectares, dos quais informam que estão ocupando apenas 30 hectares. Há mais de dez famílias não índias ocupando a área, com casas de alvenaria muito boa, inclusive. Frise-se que mesmo não tendo título de propriedade, essas famílias não indígenas não foram objeto de liminar de reintegração de posse. Eis uma discriminação a mais aqui. Anos atrás, este terreno pertencia a um fazendeiro que faleceu e, não possuindo herdeiros, o mesmo teria sido transferido para o Estado de Minas em 1996. Segundo informações, a propriedade rural teria sido ‘doada’ de forma duvidosa para a UEMG. Todavia, segundo representante dos moradores locais, a UEMG jamais apresentou projeto algum de usufruto da área. Pelo contrário, até a chegada do Povo Indígena Kiriri, em 2017, o local era utilizado para retirada clandestina de brita e madeira. Entretanto, assim que houve a ocupação da terra pelo Povo Indígena Kiriri, a UEMG entrou com a Ação de Reintegração de Posse para retomar a posse da terra, posse que a UEMG nunca exerceu. Injustamente, vê-se a UEMG, uma instituição de educação e de ensino, dando um péssimo exemplo, pois age com falta de cidadania e solidariedade aos povos indígenas, já tão massacrados e perseguidos ao longo de nossa história – vítimas neste caso, também de uma prática do racismo institucional.
A outra situação é a da Comunidade indígena Pataxó que veio de Carmésia para Açucena, vale do rio Doce em Minas Gerais, onde formou a aldeia Geru Tucunã Pataxó, que está inserida em parte de uma unidade de conservação denominada Parque Estadual do Rio Corrente. Os Pataxó chegaram no mês de junho de 2010, possuem 23 famílias com 65 pessoas e reivindicam desde então a transformação desta localidade em um território indígena. Já foram denunciadas ocupações irregulares de fazendeiros que já foram indenizados pela criação do Parque, mas permanecem na área, degradando o meio ambiente com a criação de gado e de búfalos e inúmeros conflitos agrários, incluindo ameaças à vida de indígenas por parte destes fazendeiros. Em inúmeras reuniões, inclusive junto a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em setembro de 2017, representantes da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) afirmaram que os indígenas Pataxó estavam ajudando na conservação da área do Parque e ainda realizando atividade de agroecologia, defenderam a regularização da sua terra. O Povo Indígena Pataxó precisa da demarcação urgente dessa terra. Há quase dez anos, os Pataxó exigem da CEMIG, do o IEF e do Governo de Minas a instalação de energia elétrica na comunidade, mas até agora ainda não foram atendidos nessa reivindicação. Entretanto, fazendeiro que também ocupa área do Parque Estadual do Rio Corrente já teve ligação de energia instalada pela CEMIG. Eis outro exemplo de discriminação.
Apoiadas pela ‘Associação dos Povos Indígenas de Belo Horizonte e Regiões Nacionais’ (APIBHRN) e cansadas de sobreviver longe de suas terras que lhes foram expropriadas, cerca de sessenta famílias (mais de 200 pessoas) do Povo Indígena Kamacã Mongoió Pataxó Hã Há Hã Hãe ocuparam no dia 31 de dezembro de 2016 a fazenda Santa Teresa, onde funciona a FUCAM (Fundação Educacional Caio Martins, pertencente ao Governo de Minas), município de Esmeraldas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que apresenta focos de degradação ambiental, várias de suas instalações, benfeitorias e casarios em processo de abandono ou subaproveitados pela FUCAM. Sem solução, após uma série de discussões e reivindicações não atendidas, os indígenas – expulsos de suas terras – que resistem há décadas em Belo Horizonte e RMBH e enfrentam inúmeros problemas ligados à moradia, risco social, carência alimentar e dificuldade de acesso às políticas públicas, decidiram ocupar a Fazenda Santa Teresa, da FUCAM, em Esmeraldas, e reivindicam território para o seu povo. A Êxina Cacica do Povo Kamakã Mongoió, Marinalva Maria de Jesus , afirma com firmeza: “Lutamos por terra, moradia, preservação ambiental e resgate da nossa cultura tradicional e formas dignas de sobrevivência. Ao longo dos anos sofremos abandono, descaso e discriminação por estarmos vivendo no contexto urbano, sem acesso às políticas públicas por simplesmente estarmos desaldeados.”
Há três anos, parte da Comunidade Indígena Tuxá, na aldeia Tuxá Setor Bragagá, se encontra em uma Retomada (Ocupação) na fazenda Santo Antônio, no distrito da Cachoeira da Manteiga, município de Buritizeiro, MG, próximo à confluência do rio Paracatu com o rio São Francisco. Os indígenas Tuxá estão há 65 anos na região de Pirapora e Buritizeiro, em Minas Gerais, tendo sido trazidos pela liderança Tuxá Mestre Roque, de localidades de Rodelas na Bahia, que foram posteriormente submersas pela usina hidrelétrica de Itaparica. O Povo Indígena Tuxá, portanto, foi também atingido pela barragem de Itaparica no Rio São Francisco. Os Tuxá reivindicam a fazenda Santo Antônio, bem como acesso às políticas públicas a que têm direito. Eles querem produzir nesta terra, plantar e colher – alimentando as inúmeras famílias indígenas, mantendo as suas tradições culturais e a língua materna. Em uma Nota Pública da comunidade datada de 23 de novembro de 2015, os Tuxá denunciam o clima de tensão, que vem, inclusive, se acirrando até o momento, junto aos latifundiários locais, devido ao uso indevido da fazenda ocupada e retomada por eles. Informam que apesar de pertencer ao Estado de Minas Gerais, a terra estaria sendo explorada por fazendeiros, por meio de criação de gado, matança de animais silvestres, desmatamento, vestígios de atividade madeireira e de carvoaria, entre outras formas de devastação ambiental.
Até agora nenhuma das terras reivindicadas pelos Povos Indígenas Kiriri, Pataxó, Kamakã Mongoió e Tuxá foi repassada para os indígenas, apesar das diversas denúncias que se tratam de terras do estado que estavam ociosas e em estado de abandono, sem cumprir a função social. A única coisa que se constatou na última reunião do dia 09 de outubro agora (2018) foi que os compromissos firmados pelo Governo de Minas nos últimos anos não foram efetivamente cumpridos e que os indígenas continuam a sua luta com a dignidade de sempre e com uma grande força espiritual que os move. A reunião foi filmada e, em breve, divulgaremos as denúncias feitas e as reivindicações apresentadas ao Governo de Minas Gerais.
Na Luta sempre! Nenhum direito a menos!