Myrna Kay Cunningham Kain
Em 2015, mais de 500 milhões de hectares de florestas eram posse de povos indígenas. Embora nas últimas décadas a área florestal designada aos povos indígenas e sob sua posse tenha aumentado, os governos ainda administram 60% dessas áreas, e as corporações e agentes privados, 9%. A pressão dos povos indígenas nas últimas décadas tornou possível aumentar em cerca de 50% a área florestal reconhecida como propriedade das comunidades indígenas e a elas designada. A América Latina e o Caribe, onde os povos indígenas controlam 40% das florestas, é a região com maiores avanços. Outras regiões do mundo mostram tendências semelhantes.
Para os povos indígenas, que sempre têm vivido na floresta, ela representa seu espaço de reprodução cultural, produção de alimentos e segurança espiritual. Para os governos e empresas, a floresta contém ativos importantes para a produção de alimentos, desenvolvimento econômico, segurança, mitigação da mudança do clima, sequestro de carbono, água, minerais e extração de gás. A essas percepções divergentes sobre propriedade e uso da floresta somou-se nas últimas décadas a multiplicação de conflitos sobre o controle do território e recursos florestais. Com a crescente demanda internacional de bens primários (minerais, hidrocarbonetos, soja e outros produtos agrícolas básicos), há um maior dinamismo econômico com base em sua exploração. No entanto, isso foi ao custo de graves impactos ambientais, reclassificações espaciais e violações de direitos, interesses, territórios e recursos dos povos indígenas (CEPAL 2014).
Nesse contexto, o que está contribuindo para a mudança de atitude, tanto no nível de país como global, que nos permite concluir que essa situação já começou a se reverter?
Talvez a principal mudança seja o fato de se ter superado o debate sobre os direitos territoriais dos povos indígenas; esse já não é mais um tema em discussão. Agora o desafio é a implementação. As leis internacionais, a jurisprudência de órgãos regionais de direitos humanos e os âmbitos jurídicos nacionais fazem cada vez mais referência explícita aos direitos dos povos indígenas ao território e seus recursos. Por exemplo, de 2002 a 2013 foram reformados pelo menos 27 âmbitos normativos nacionais referentes às florestas e aos povos indígenas.
O Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas reconhecem o direito de propriedade dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente têm possuído, ocupado ou adquirido. Além disso, as diretrizes de governança da posse responsável de terras, pesca e florestas no contexto da segurança alimentar, acordados na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2012, fazem um apelo a diversos atores para que respeitem os direitos territoriais dos povos indígenas.
Os Estados, povos indígenas e organizações parceiras dispõem de plataformas que visam a reduzir a taxa de desmatamento, assegurar sua participação na administração de áreas protegidas e ampliar o reconhecimento dos territórios indígenas. Mais de 300 organizações da Coalizão Internacional da Terra (ILC) lançaram recentemente uma campanha global (i) cujo objetivo é duplicar até 2020 a superfície mundial de terra que se reconhece legalmente como propriedade de povos indígenas e comunidades locais ou que estão sob seu controle.
Há evidência de que o consentimento livre, prévio e informado (CLPI) é uma ferramenta adequada para definir e regular as relações contratuais para a gestão florestal e assegurar uma relação aberta, continua e equitativa entre as diferentes partes interessadas.
Apesar dos avanços normativos e práticos, os conflitos relacionados com o controle e o uso do território e dos recursos naturais são um fenômeno frequente em todas as regiões do mundo. A análise de conflitos por projetos de indústrias extrativas em territórios indígenas documentados pelo Relator Especial no período 2009-2013 (CEPAL 2014) permite distinguir alguns eixos de conflitos:
- Resguardo jurídico inadequado ou inexistente;
- Violação de lugares sagrados;
- Deficiência ou inexistência de avaliações independentes de impactos;
- Inadimplência do dever estatal de consulta e adoção de medidas para proteger direitos antes de fazer concessões;
- Exclusão dos povos indígenas da participação nos benefícios decorrentes da exploração de recursos de seus territórios; e
- Criminalização de protestos indígenas.
Os processos vinculados à REDD+ e à mudança do clima estão também contribuindo para o reconhecimento de que a segurança jurídica do território indígena é um requisito para evitar conflitos, reduzir o desmatamento e enfrentar as crises alimentares e climáticas, quando são elaborados de forma participativa com todos os atores, garantindo os direitos e fortalecendo processos descentralizados de gestão florestal. O Acordo de Paris de dezembro de 2015 reafirma o uso das florestas para alcançar as metas e também reconhece os direitos dos povos indígenas e seus conhecimentos tradicionais para a gestão florestal. Sua implementação oferece novas possibilidades para continuar a mudar.