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News & Events A importância de entender o “lugar de fala” na Justiça Climática
A importância de entender o “lugar de fala” na Justiça Climática
A importância de entender o “lugar de fala” na Justiça Climática
Foto: Annie Spratt/Unsplash
Foto: Annie Spratt/Unsplash

Foto: Annie Spratt/Unsplash

A expressão “lugar de fala” é usualmente ouvida nos debates de temas relacionados às populações consideradas minorias. Para entender o Racismo Ambiental – e outras questões que envolvem de forma transversal a Justiça Climática – é preciso que a própria expressão seja também entendida. Mas, afinal, o que é “lugar de fala”? Em um primeiro olhar, a definição pode ser sinônimo de “ponto de vista”.

A filósofa Djamila Ribeiro explica, em seu livro que leva essa expressão como título, que um dos equívocos mais recorrentes que vemos acontecer é a confusão entre “lugar de fala” e representatividade. Outro é que existe o conceito inadequado de que “lugar de fala” visa restringir a troca de ideias, encerrar discussões ou impor uma visão unilateral.

O professor de estudos de Cultura Guilherme Terreri – conhecido também como a drag queen Rita von Hunty – analisou, no vídeo “Lugar de fala e a confusão que se faz”, que “o conceito de ‘lugar de fala’ [ tem como objetivo] trazer uma lente que expõe de onde vem aquele discurso, qual é o lugar daquela fala”. Rita continua dizendo que “quando você escuta alguém falando alguma coisa, essa fala não é neutra. Ela possui sexo, gênero, raça, classe, cor, lugar na cidade, escolaridade. Quando a gente escuta um discurso, a gente tem de perguntar. Qual é o lugar? De onde este discurso está vindo? Isso revela muitas coisas”.

Partindo do pressuposto de que os impactos das mudanças climáticas não são iguais, nem ocorrem na mesma proporção para todos, dependendo do “ponto de vista” – ou “lugar de fala” –, serão percebidos de forma distinta por diferentes grupos. Dessa maneira, a (falta de) representatividade de perspectivas de diferentes grupos ou povos no debate público pode fazer com que necessidades e soluções sejam negligenciadas ou até mesmo invisibilizadas.

A busca por autoconhecimento para saber a partir de qual perspectiva vem o seu próprio “lugar de fala” sobre determinado assunto valerá como um filtro potente para evitar a influência, sem reflexão, de olhares já muito “colonizados”. Poderá evitar, ainda, a repetição das chamadas “histórias únicas” – como as que recaem frequentemente sobre indígenas, mulheres, negros, comunidades periféricas etc. – em relação aos problemas ambientais e sociais. Mesmo as possíveis soluções para combater os efeitos da emergência climática são também atravessadas por esse olhar que parte do mainstream. Desconstruir algumas dessas “verdades”, que muitas vezes não passam de estereótipos, também se faz necessário.

Nuances da realidade podem passar despercebidas por quem não as vivenciam. A invisibilidade pode ser agravada ainda mais pela falta de representatividade, nas esferas de poder, de quem conhece a fundo determinadas questões. Algumas pessoas preferem silenciar suas ideias e opiniões por receio de ouvir queixas como “Você não pode falar sobre este assunto, já que esse não é o seu ‘lugar de fala’” ou por querer se isentar do debate. A questão é a importância de as pessoas terem o seu espaço para que possam representar a si mesmas e que tenham garantido o seu direito de que a sua voz seja ressoada.

Para endereçar essa questão, Terreri questiona: “Só os suicidas podem falar sobre suicídio?”. Ele defende que “essa é uma ideia que isola e encapsula a minoria e tira dela a possibilidade de ter aliados. Se um discurso só reverbera em um lugar, precisará de muito pouco para matar aquele grupo, e os outros nem saberem que aquele grupo morreu”, afirma, acrescentando que “se ‘lugar de fala’ é somente ‘fala quem vive [determinada questão]’, a gente soltou a mão da ciência”.

Djamila explicou, em seu livro Lugar de Fala, que todas as pessoas têm “lugares de fala”, pois trata-se aqui de localização social. Mas existe um “regime de autorização” que legitima ou deslegitima determinadas vozes e discursos. “Podemos falar sobre tudo ou o que nos é permitido falar? Numa sociedade supremacista branca e patriarcal, mulheres brancas, mulheres negras, homens negros, pessoas transexuais, lésbicas, gays podem falar do mesmo modo que homens brancos cis heterossexuais? Existe o mesmo espaço de legitimidade? Quando existe um espaço para falar, por exemplo, para uma travesti negra, é permitido que ela fale sobre Economia, Astrofísica ou só é permitido que fale sobre temas referentes ao fato de ser uma travesti negra? Saberes fora do espaço acadêmico são considerados saberes?”, questionou Djamila.

Além de aumentar o volume e o alcance dessas vozes silenciadas, uma lacuna que precisa ser preenchida com urgência é a de representatividade nas diferentes esferas de decisão da sociedade. A representação de mulheres e de negros na Câmara aumentou nas eleições de 2018, conforme mostra a Agência Câmara de Notícias, mas ainda está longe de ser proporcional à população. Entre os 513 deputados eleitos, há 436 homens (85%) e 77 mulheres (15%). Ao se analisar os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrando que 51,5% da população brasileira é composta por mulheres, fica claro o quanto elas estão sub-representadas na Câmara dos Deputados. O mesmo ocorre com os negros e pardos, que representam 54,9% da população brasileira, mas ocupam apenas 24,3% das cadeiras no Congresso. No caso dos indígenas – que têm apenas um representante eleito no legislativo federal – é ainda pior. Diante de todos os exemplos, com foco no “lugar de fala”, não dá para esquecer que Justiça Climática se faz com Justiça Social.

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(*) Tatiane Matheus é jornalista e pesquisadora no Instituto ClimaInfo

Esta matéria foi originalmente publicada em ClimaInfo.