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News & Events Sequoyah, o estado indígena americano que quase existiu
Sequoyah, o estado indígena americano que quase existiu
Sequoyah, o estado indígena americano que quase existiu
Foto: Telsa Chamber
Foto: Telsa Chamber
Por Erin Blakemore


 


Era para ser um estado governado por nativos americanos nos Estados Unidos, até que políticos transferiram as terras indígenas ao estado de Oklahoma – uma decisão que até hoje afeta a vida na região.


 


O nome é derivado de uma palavra na língua choctaw que significa “povo vermelho”, mas o apelido de Oklahoma – the Sooner State (o estado dos adiantados, em tradução livre) – vem dos colonos brancos que chegaram ao estado para reivindicar as terras nativas. Essa tensão não é de hoje: uma vez dividido em um território de brancos e outro de nativos americanos, Oklahoma não deixou para trás seu legado de expansão para o oeste.


 


Em julho de 2020, a Suprema Corte decidiu que, apesar de localizado dentro de um estado dos Estados Unidos, grande parte do leste de Oklahoma constitui reserva indígena. A decisão histórica é a mais recente reviravolta em uma longa batalha sobre quem tem direito à propriedade e moradia nas planícies e pradarias de Oklahoma – uma disputa que quase dividiu Oklahoma em dois estados distintos.


 


O conflito teve origem no sudeste dos Estados Unidos, nas terras ancestrais dos povos cherokee, chickasaw, choctaw, muscogee (creek) e seminole, distribuídas onde atualmente estão localizados os estados da Carolina do Norte e do Mississippi. No fim dos séculos 18 e 19, a multidão de colonos brancos que chegaram à região chamou essas nações de Cinco Nações Civilizadas devido à disposição delas em desenvolver laços econômicos e sociais. Mesmo assim, esses pioneiros brancos recém-chegados pressionaram o governo dos Estados Unidos para expulsar os nativos americanos de suas terras.


 


Foto: Maggie Steber


Embora o governo dos Estados Unidos tenha incorporado o Território Indígena ao estado recém-criado de Oklahoma, a soberania das terras nativas – como o território cherokee mostrado na imagem, localizado no nordeste de Oklahoma – ainda é tema de debate. FOTO DE MAGGIE STEBER, NAT GEO IMAGE COLLECTION


 


Em 1830, o Congresso aprovou a Lei de Remoção de Indígenas, que permitiu ao então presidente Andrew Jackson conceder terras aos povos nativos americanos no oeste em troca de suas terras ancestrais. Coagidas, as Cinco Nações assinaram uma série de tratados cedendo suas terras em troca de promessas como um tratado de 1833 que garantia “um lar permanente para toda a nação indígena creek”.


 


Embora muitos tenham saído sem resistência, outros se recusaram e foram expulsos de sob a mira de armas. Entre 1830 e 1850, cerca de 100 mil nativos americanos foram transferidos: uma migração forçada conhecida como Trilha das Lágrimas.


 


O novo território estava localizado a mais de 1,6 mil quilômetros de distância, uma área a oeste do Mississippi e a leste das Montanhas Rochosas. Lá, as Cinco Nações colonizaram terras nas regiões atuais do centro e do leste de Oklahoma junto com 21 outros povos. Com o passar dos anos, os Estados Unidos reivindicaram mais terras nativas e o Território Indígena encolheu até quase os limites do atual estado de Oklahoma.


 


Na década de 1880, o território encolheu ainda mais quando os Estados Unidos mudaram a política de remoção para uma de loteamento, um sistema concebido para forçar nativos a assimilarem a cultura branca, dividindo suas tradicionais terras comunitárias supervisionadas por governos indígenas em propriedades pequenas e individuais. As Cinco Nações foram excluídas da política, mas as terras de outros povos no oeste de Oklahoma foram repartidas em pequenos lotes e distribuídas a indivíduos, muitos dos quais venderam seus lotes a colonos brancos ou ao governo dos Estados Unidos.


 


Os colonos brancos também estavam em busca da área denominada terras não-designadas, uma extensão de mais de 800 mil hectares no centro de Oklahoma que os Estados Unidos obrigaram os muscogees e os seminoles – que se aliaram aos Confederados durante a Guerra Civil – a ceder mais de uma década antes. Os aspirantes a colonos conhecidos como Boomers ocuparam a terra e, após anos de lobby, o governo federal concordou em abri-la para assentamentos de brancos em 1889.


 


Cinquenta mil colonos brancos abarrotaram as regiões vizinhas, à espera da abertura das terras em 22 de abril de 1889 (alguns entraram ilegalmente antes e foram apelidados de “Adiantados”). Ao meio-dia, atravessaram as fronteiras para reivindicar as terras. Em um único dia, cerca de 11 mil propriedades foram reivindicadas.


 


Pouco mais de um ano depois, em 1890, o governo federal criou o Território de Oklahoma a partir das Terras Não Designadas e das terras do oeste de Oklahoma. Os colonos brancos estavam ansiosos para transformar o território em um estado e assim conseguir representação no Congresso. Mas tanto os colonos quanto o Congresso tinham dúvidas sobre o caminho a seguir. Dando como certa a aquisição das terras das Cinco Nações, passaram a discutir se o Território Indígena deveria ser integrado ao Território de Oklahoma ou se deveria ser um estado separado.


 


Em meio a esses acirrados debates, os colonos brancos continuaram a migrar para Oklahoma – e para o Território Indígena, onde foram autorizados a se estabelecer nas terras excedentes adquiridas de governos indígenas. Os colonos acabaram superando em muito a população de residentes nativos.


 


O governo federal permitiu a criação de um estado em 1898 com a promulgação da. Lei Curtis, que anunciou a abolição dos governos indígenas em março de 1906 e obrigou as Cinco Nações a aceitar a lei de loteamento da qual estavam isentos. Os líderes das Cinco Nações perceberam que logo perderiam o controle ou o reconhecimento federal. Em uma última tentativa para manter soberania, realizaram uma convenção para formar um estado próprio.


 


Robertson Studio


Em 1899, Pleasant Porter tornou-se o último cacique principal da Nação Creek. Fotografado aqui com um cocar dos indígenas das planícies, Porter ajudou a organizar o movimento de 1905 para criar um estado governado por nativos americanos chamado Sequoyah. FOTO DE ROBERTSON STUDIO, OKLAHOMA HISTORICAL SOCIETY/GETTY


 


Em agosto e setembro de 1905, os representantes redigiram uma constituição e uma proposta de governo para um estado denominado Sequoyah, governado por nativos americanos. Contudo, apesar da aprovação de um referendo no Território Indígena por uma margem esmagadora de eleitores nativos e brancos, o Congresso nunca pautou a questão para votação.


 


A razão foi puramente política: o Congresso com maioria republicana e o presidente republicano Theodore Roosevelt temiam que o eventual novo estado elegesse senadores democratas devido às históricas alianças da região com o sul. Entretanto, como observado pela historiadora Barbara A. Mann, Sequoyah também era inaceitável para os legisladores brancos que desejavam um estado governado por brancos e para brancos.


 


Em vez da proposta, o Congresso aprovou a Lei de Autorização de Oklahoma de 1906. Essa nova lei pôs fim ao debate sobre a criação de um estado convidando representantes a redigir uma constituição estadual, escolher uma capital e prosseguir com um estado que incorporasse Oklahoma e os Territórios Indígenas. Em 16 de novembro de 1907, Oklahoma se tornou o 46o estado do país.


 


Atualmente, mais de 13% dos moradores de Oklahoma são nativos americanos e Oklahoma possui a segunda maior população de nativos americanos entre todos os estados. Contudo, ao longo dos anos, surgiu um debate questionando se a região leste do estado ainda poderia ser considerada terra nativa, já que cada vez mais os lotes recém-criados foram vendidos pelos proprietários nativos ou foram confiscados pelo estado como pagamento por impostos.


 


Em julho, a Suprema Corte dos Estados Unidos resolveu a questão de longa data ao proferir uma decisão na ação de McGirt vs. Oklahoma, referente a Jimcy McGirt, nativo seminole condenado pelo estado por um crime sexual em 1996. Seus advogados alegaram que o estado nunca teve jurisdição para julgar o crime, cometido na terra prometida aos muscogees na década de 1830. Nos Estados Unidos, crimes envolvendo indígenas cometidos em reservas indígenas estão sujeitos à jurisdição federal e indígena. Por 5 votos a 4, a Suprema Corte confirmou essa jurisdição, uma decisão comemorada como uma vitória pela nação muscogee (creek) e por outros povos como um reconhecimento da condição de reserva indígena dessas terras.


 


As repercussões da decisão tiveram reflexos imediatos nas cortes federais e indígenas, para as quais os promotores locais começaram imediatamente a encaminhar ações penais relacionadas a descendentes de nativos americanos. Embora a decisão não seja aplicável a moradores de Oklahoma não indígenas suspeitos de cometer crimes no antigo Território Indígena nem à propriedade privada, não se sabe ao certo se possui implicações mais amplas além do direito penal ou se contemplaria funções governamentais como tributação ou zoneamento.


 


Para muitos, a decisão representa um passo em direção à tão desejada soberania nativa americana em Oklahoma. “Muitos do nosso povo estão chorando de emoção”, contou Jonodev Chaudhuri, embaixador da nação muscogee (creek), ao jornal Indian Country Today após a decisão. “Apesar do histórico de inúmeras promessas não cumpridas a tantas nações indígenas, os cidadãos estão animados porque os Estados Unidos finalmente cumpriram suas promessas.”


 


Esta matéria foi originalmente publicada por National Geographic Brasil.