Debate virtual “A governança comunitária de florestas nos países de língua portuguesa” | Land Portal

As florestas e sua gestão mudaram substancialmente nos últimos 25 anos. Embora globalmente, a extensão das florestas do mundo continue a diminuir à medida que as populações humanas e a procura de alimentos e terras continuam a crescer, a perda foi reduzida em mais de 50% (FAO, 2015).

Em alguns estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa  (CPLP), o manejo florestal tem levantado questões cruciais relacionadas com a adoção de políticas públicas mais eficazes para lidar com fenómenos como os incêndios (Portugal) ou uso do espaço pelas comunidades locais para a prática agrícola em regime de itinerância (PALOP) e ainda enfrentam enormes esquemas de corrupção associados ao desmantelamento de florestas primárias e corte de essências específicas para a indústria madeireira (Moçambique e Guiné-Bissau), em particular, para o mercado asiático.

Ao longo dos últimos 25 anos, alguns países adotaram modelos de gestão comunitária de florestas que atribuem mais direitos e responsabilidades aos atores locais.Como é o caso de Brasil, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe.

A Academia evidencia esse fato apontando para este fenómeno como a mudança mais significativa e visível nas políticas ambientais nacionais desde o final da década de 1980.

Nota conceptual completa em anexo em PDF.

É objetivando a promoção de um debate virtual, que confira centralidade a esta temática, que a ACTUAR – Associação para a Cooperação e o Desenvolvimento , em parceria com a Tiniguena – Associação Promoção do Desenvolvimento Participativo na Base e Gestão Durável dos Recursos Naturais,e com a Fundação Land Portal, facilitará uma discussão aberta aos participantes inscritos no Landportal (https://landportal.org/user/register) que terá como principais objetivos:

  • Fomentar o debate, intercâmbio de experiências, perspetivas e posições, relativas a políticas públicas de governança comunitária de florestas nos países-membros da REDSAN/ CPLP.;
  • Identificar, mobilizar e integrar atores da sociedade civil dos países-membros da REDSAN/ CPLP no subsídio às necessidades de formação e construção de capacidades de intervenção e gestão do parque florestal;
  • Sistematizar e publicar um relatório técnico com as principais conclusões do debate, em língua portuguesa.

O diálogo virtual , que se realizará entre 26 de Novembro e 23 de Dezembro de 2017,  será conduzido em língua portuguesa, de forma assíncrona, e os resultados serão sistematizados também em língua portuguesa. Serão realizados esforços no sentido de assegurar a participação de representantes dos países de língua portuguesa que participam da REDSAN-CPLP.

 

  • O Debate estará aberto para qualquer pessoa, sendo possível seguir a discussão on-line. No entanto, apenas os participantes registados no Land Portal poderão contribuir com comentários e perguntas.REGISTE-SE NO LAND PORTAL 
  • Siga a discussão on-line e, como participante registado, tenha a oportunidade de colocar questões e fazer comentários.
  • Caso prefira, poderá enviar as suas respostas para geral@redsan-cplp.org

 

Aguardamos sua inscrição e agradecemos que compartilhe este convite com outros e outras eventuais interessados e interessadas.

Para esclarecer qualquer eventual questão, poderá contactar-nos (Sérgio Pedro) através do email: 

geral@redsan-cplp.org

 

 

Comentários

Olá,

Dou-vos as boas vindas a este debate com o tema “A governança comunitária de florestas nos países de língua portuguesa”.

 

A pertinência do presente debate é justificada pelo processo internacional de desenvolvimento de uma agenda para promover um consenso global para ações que suportem a gestão florestal participativa e sustentável.

Em Janeiro de 2016, a Organização das Nações Unidas apresentou a “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que contém uma lista de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que evidenciam o papel fundamental que a floresta desempenha na realização dos ODS acordados internacionalmente e, na mesma medida, os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris sobre as Mudanças Climáticas.

Para além de contribuir para a mitigação das alterações climáticas, a proteção dos solos e das águas, as florestas representam mais de 75% da biodiversidade terrestre mundial, fornecendo numerosos recursos que contribuem para o desenvolvimento socioeconómico. Em particular para centenas de milhões de pessoas nas zonas rurais (FAO, 2014a), com ênfase nas mulheres que vivem em áreas rurais (Banco Mundial, FAO e Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, 2009).

Tem sido possível observar nas últimas décadas uma manifestação variada de modelos de gestão comunitária de florestas (GCF), nomeadamente, a institucionalização da GCF em programas nacionais de desenvolvimento e a emergência de organizações da sociedade civil para representar os interesses da GCF.

Dando assim por aberto o debate, seguem algumas propostas de perguntas para darmos início à abordagem conjunta deste tema:

• Quais os requisitos para a implementação de políticas públicas de GCF?

•Que modelos de GCF podem ser adotados?

∙ Quais as limitações dos modelos de GCF?

Cabe lembrar que será elaborado um relatório final sobre o debate onde serão compilados todos os contributos.

Votos de bom debate,

 

Miguel Barros

1.Quais os requisitos para a implementação de políticas públicas de Gestão Comunitária de Florestas (GCF)?

Maior presença no território do serviços florestais públicos.

•2.Que modelos de GCF podem ser adotados?

Zonas de Intervenção Florestal, Emparcelamento da gestão

•3.Quais as limitações dos modelos de GCF?

Micro-fúndio florestal, ausência de cadastro florestal

•4.Qual o impacto do programa REDD+ e outros incentivos do género “pagamento por serviços ambientais” na GCF?

Desconheço. Mas será importante nomeadamente o reforço do mercado de carbono e outros serviços de ecossistema prestados pelo meio rural.

•5.Como mesurar a implementação e impacto das políticas públicas promotoras da GCF?

Aferir as valorização económica real das áreas sujeitas a PGF ou PUB.

•6.Que atores deverão ser envolvidos na criação e de políticas públicas de acesso, controle, proteção e conservação dos recursos naturais da floresta nos países-membros da CPLP?

Proprietários e suas organizações, empresas, ONGA, associações de desenvolvimento, autarquias.

•7.Que políticas públicas devem ser adotadas por forma a facilitar e fomentar a GCF?

Fomentar o emparcelamento florestal e pagamento de serviços de ecossistema.

•8.Qual o papel da CPLP na adoção de políticas públicas para GCF?

Sensibilização dos governos nacionais, demonstração e divulgação de boas práticas.

•9.Em que espaços político-institucionais e com que temporalidade poderão ter lugar estes processos?

Governos nacionais e regionais, de forma anual ou bianual.

QUALQUER TIPO DE INTERVENÇÃO QUE SE POSSA FAZER AOS DIAS DE HOJE, deverá passar  para se atingir um objetivo principal: Contribuir para a identificação das formas de intervenção, no que concerne à gestão do bem comum, nomeadamente dos baldios e em Portugal. Caracterizar os tipos ou modelos de gestão dos baldios e seus impactos nas comunidades rurais, que têm sido praticados ao longo da história recente desde o Estado Novo até aos dias de hoje. Saber qual o nível de informação presente nas comunidades rurais. Identificar a relação entre as partes interessadas numa OUTRA GCF - que se chama ZIF- Zona de Intervenção Florestal, as ZIF Constituídas e a sua relação com FEEI - Fundos Estruturais Europeus de  Investimento -o papel do Estado e eventuais interesses econômicos  na gestão das mesmas, nomeadamente nas comunidades rurais;, tendo como estudo de caso concelho.  Por fim, avançar com algumas sugestões a fim de melhorar a situação de gestão dos baldios e contribuir para o desenvolvimento local de âmbito rural. Verificar a eficácia das ZIF junto dos proprietários florestais.

•1.Quais os requisitos para a implementação de políticas públicas de Gestão Comunitária de Florestas (GCF)?

Os requisitos dependem todos do aprimoramento da capacidade de julgar. A questão estratégica central é a formação de lideranças em gestão psicopolítica do território mental, de maneira a elas não sejam capturadas pelos mesmos valores que dizem querer superar no plano social no desenho e execução de políticas públicas de GCF.

•2.Que modelos de GCF podem ser adotados?

Existe muitos modelos como sabemos. Há pessoas, grupos e organizações que defendem um ou outro e que, a história mostra, tendem a ser capturados pelos valores da disputa que são os mesmos que têm colocado as florestas sob ameaça constante e crescente. Por isso sugiro a utilização de metodologia apreciativa, de maneira a que os modelos selecionados sejam construídos coletivamente, descentrando a autoria deles.

•3.Quais as limitações dos modelos de GCF?

As limitações todas decorrem da ausência de sincronicidade entre as boas intenções e as afecções que emergem durante o planejamento e execução e historicamente têm comprometido o alcance das metas.

•4.Qual o impacto do programa REDD+ e outros incentivos do género “pagamento por serviços ambientais” na GCF?

•5.Como mesurar a implementação e impacto das políticas públicas promotoras da GCF?

Não é minha especialidade. Minha contribuição, como dito anteriormente, é a capacitação de lideranças com a metodologia gestão mental, que criou, inclusive, a Matriz Estratégica da Educação Ambiental do Plano Nacional de Resíduos Sólidos da República Federativa do Brasil, a convite do PNUD, PNUMA e Ministério do Meio Ambiente.

•6.Que atores deverão ser envolvidos na criação e de políticas públicas de acesso, controle, proteção e conservação dos recursos naturais da floresta nos países-membros da CPLP?

Depende de toda a cadeia produtiva.

•7.Que políticas públicas devem ser adotadas por forma a facilitar e fomentar a GCF?

A política pública central é a de formação de lideranças em gestão mental.

•8.Qual o papel da CPLP na adoção de políticas públicas para GCF?

Decisivo.

•9.Em que espaços político-institucionais e com que temporalidade poderão ter lugar estes processos?

Tudo depende do planejamento apreciativo das GCF.

•10.Comentários

Parabéns pela iniciativa!

•1.Quais os requisitos para a implementação de políticas públicas de Gestão Comunitária de Florestas (GCF)?


Os terrenos de gestão e uso comunitário, localizados em Portugal e chamados vulgarmente como baldios, ocupam proximamente 400 mil ha e constituem uma realidade multissecular de espaços tradicionalmente fruídos por comunidades rurais locais. Mais de 80% destes terrenos encontram-se em co-gestão com o Governo central. Dentro dos seus perímetros, os baldios possuem vastas áreas florestais - um valioso património e um importante espaço de atividades silvícolas. O actual modelo da implementação de políticas públicas em terrenos comunitários prevê as consultas de boa-fé com as comunidades antes de iniciar qualquer projecto ou adotar e implementar leis ou medidas que afetam comunidades. Esse modelo é imperfeito porque não envolve de forma eficaz as comunidades locais e partes interessadas na formulação das políticas públicas que os afetam. Em princípio, durante a parte preparatória de desenvolvimento/alteração destas políticas as consultas e a recolha de opiniões ocorrem por via Internet, ferramenta que maiorias das comunidades locais não gostam ou têm dificuldades de usar. A fraca divulgação de informação sobre os direitos e deveres das comunidades locais na gestão dos seus terrenos comunitários e o respectivo quadro legislativo relacionado é um outro ponto fraco na implementação das políticas públicas de gestão comunitária florestal.


•2.Que modelos de GCF podem ser adotados?


O contributo das áreas florestais de gestão comunitária para o desenvolvimento rural português, sobretudo através das receitas provenientes da sua gestão, é inquestionável. Mas, nas últimas décadas, constata-se um constante afastamento dos Serviços Florestais estatais (cogestores de comunidades locais) na apoio à gestão destas áreas e a inexistência de formação fornecida pelo Estado, para colmatar as lacunas de conhecimento dos gestores de áreas florestais comunitárias no campo da defesa e gestão dos seus recursos florestais. Constata-se igualmente que, nos últimos 25 anos, as funções do Estado como cogestor de áreas florestais comunitárias e, ao mesmo tempo, como fiscalizador da aplicação da política florestal, não têm sido bem conseguidas. É necessário melhorar os atuais modelos de GCF em áreas baldias, nomeadamente a gestão destes áreas comunitárias por seus possuidores e gestores - comunidades locais - deve ser mais ativa, mais democrática e transparente. Por sua vez, o Estado deve dar mais apoio técnico aos seus co- gestores.


•3.Quais as limitações dos modelos de GCF?


Em 2017, o CEABN/ISA da Universidade de Lisboa e a FAO/ONU assinaram um protocolo para avaliar as áreas florestais em terrenos comunitários de Portugal continental, conforme as orientações desenvolvidos pela FAO. As seguintes limitações dos modelos de GCF em áreas baldias foram detetadas: (i) falta de divulgação de informação sobre GCF, nomeadamente sobre os direitos e deveres relacionados com este tipo de gestão; (ii) falta o interesse de comunidades locais na GCF e a sua participação na elaboração de políticas públicas; (iii) envelhecimento e diminuição da população rural portuguesa.


•4.Qual o impacto do programa REDD+ e outros incentivos do género “pagamento por serviços ambientais” na GCF?


As áreas florestais comunitárias portuguesas localizam-se na maioria em zonas montanhosas de Portugal e preenchem funções importantes na produção de matéria-prima e vários serviços ecossistémicos, incluindo a proteção dos solos contra a erosão, o controlo do ciclo hidrológico e a regulação do clima. Eles desempenham ainda um papel fundamental na preservação da biodiversidade e na manutenção de outras funções da biosfera, mas não trazem os benefícios financeiros para as comunidades locais (seus possuidores e gestores), o que diminui o interesse destas comunidades em gerir os seus terrenos. A nível nacional, este sentimento está mais presente nas areas comunitarias com maior espaço coberto por Áreas Classificadas, cuja manutenção é da responsabilidade dos gestores dessas areas, sem compensações previstas. Infelizmente, o suporte financeiro REDD+ que ajuda na redução de emissões de gases do efeito estufa, decorrentes pela degradação e perda das ares florestais não está disponível para comunidades portuguesas.


•5.Como mesurar a implementação e impacto das políticas públicas promotoras da GCF?


Entre 2012 e 2015 foram adotadas, pelo Comité de Segurança Alimentar da ONU, as Orientações sobre a Governança Responsável da Posse de Terras, Pescas e Florestas (também referidas como VGGT) e a metodologia de avaliação da Gestão Comunitária de Florestas (referido como CBF). As orientações da VGGT e de CBF fornecem princípios e boas práticas sobre os quais os governos se podem basear para o desenvolvimento de leis, de gestão da terra e de direitos florestais, de busca de melhores soluções para erradicação da fome e da pobreza e de apoio a um modelo de desenvolvimento sustentável. A definição dessas orientações baseou-se num processo inclusivo, através de consultas realizadas durante três anos, que incluiu a representação de países de todo o mundo, de instituições governamentais, da sociedade civil, do setor privado, do mundo académico e de agências da ONU; reflectindo-se num consenso global sobre quais as melhores práticas internacionais e os princípios da boa governação dos terrenos comunitários. Em Janeiro de 2017 o CEABN e a FAO assinaram um protocolo para avaliar as áreas florestais em terrenos comunitários de Portugal continental (vulgo baldios) segundo as orientações da VGGT http://www.fao.org/cfs/home/activities/vggt/en/ e da CBF http://www.fao.org/forestry/participatory/90737/en/ . Estes sistemas de avaliação têm como objectivo analisar, compreender os desafios e identificar formas de melhorar a governança e a gestão comunitária de florestas. Todos os inquéritos e documentos utilizados para este trabalho foram traduzidos para português. As orientações finais encontram-se com a equipa de investigação do Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves” do Instituto Superior de Agronomia (CEABN/ ISA http://www.isa.utl.pt/ceabn/ ) e estão disponíveis para serem aplicados nos países da CPLP.


•6.Que atores deverão ser envolvidos na criação e de políticas públicas de acesso, controle, proteção e conservação dos recursos naturais da floresta nos países-membros da CPLP?


•7.Que políticas públicas devem ser adotadas por forma a facilitar e fomentar a GCF?


As politicas publicas de GCF, tomadas ao nível Estatal devem satisfazer os interesses da população local e, ao mesmo tempo, serem eficaz na defesa do ambiente.

•1.Quais os requisitos para a implementação de políticas públicas de Gestão Comunitária de Florestas (GCF)?

Participação

•2.Que modelos de GCF podem ser adotados?

Modelos partilhados

•3.Quais as limitações dos modelos de GCF?

A participação e a mobilização

•4.Qual o impacto do programa REDD+ e outros incentivos do género “pagamento por serviços ambientais” na GCF?

Impacto positivo

•5.Como mesurar a implementação e impacto das políticas públicas promotoras da GCF?

Análise custo benefício integrando a valoração de todos os bens

•6.Que atores deverão ser envolvidos na criação e de políticas públicas de acesso, controle, proteção e conservação dos recursos naturais da floresta nos países-membros da CPLP?

Produtores, comunidades locais, agentes governamentais locais

•7.Que políticas públicas devem ser adotadas por forma a facilitar e fomentar a GCF?

Educação ambiental e florestal

•8.Qual o papel da CPLP na adoção de políticas públicas para GCF?

Promotor de relato de experiências e sugestão de medidas de política; programas de investigação conjuntos

•9.Em que espaços político-institucionais e com que temporalidade poderão ter lugar estes processos?

Nas comunidades locais; nas Instituições de ensino e investigação; nos órgãos de decisão pública

Olá,boa tarde a todas e todos.

Aproveito desde já para louvar o interesse que o presente debate está a receber.

Considero que tal é evidência da premência do tema da gestão comunitária nos nossos países, pois , apesar das idiossincrasias próprias de cada um, a questão da gestão das florestas é uma questão global, desenvolvida, entre outros, através de um processo de negociação estratégica global e estratégias conjuntas.

Gostaria de mencionar  duas questões  que se relacionam com o enquadrmaneto legal global sobre a gestão das florestas e a monitorização da implementação do mesmo.

Bem haja.

 

-Qual o impacto do programa REDD+ e outros incentivos do género

“pagamento por serviços ambientais” na gestão comunitária de florestas?



 Como mesurar a implementação e impacto das políticas públicas promotoras da

gestão comunitária de florestas?

 

 

Relativamente à primeira questão eu gostaria de lançar outra pergunta dentro da mesma.

1.Quais os requisitos para a implementação de políticas públicas de Gestão Comunitária de Florestas (GCF)?

Em Portugal, sendo os terrenos de gestão e uso comunitário essencialmente os baldios. Gostaria de saber como se poderá fazer, ou se se poderá fazer a gestão e uso comunitário da Mata Nacional?

Esta minha questão surge no atual paradigma de gestão pública das Matas Nacionais(MN) e tendo em conta que no passado parte das comunidades rurais que viviam junto às MN, conseguiam viver das mesmas com trabalho e recursos agroflorestais.

Esta minha pergunta surge portanto na medida em que as comunidades rurais, durante as ultimas décadas, foram afastadas das matas e a gestão pública dessas mesmas matas  se tem mostrado insuficiente e ineficiente.

Que mecanismos poderão ser usados para  gestão e uso comunitário das matas nacionais, não eliminando a possibilidade dessa gestão e uso comunitário das MN ser em Coordenação com o Poder Central e Local?

 

Obrigada!

 

   No âmbito da investigação que estamos actualmente a desenvolver no CEABN/ISA sobre as áreas baldias (http://www.isa.utl.pt/ceabn/membro/1/90/iryna-skulska), podemos referir que a gestão comunitária das Matas Nacionais em Portugal é impossível devido à natureza da propriedade destas áreas florestais. Acontece que em Portugal (República Portuguesa) estão consagrados três sectores relativos ao regime jurídico da propriedade: o público, o privado e o comunitário.


  1. Comunitário - baldios
  2. Público – tem dois subsectores: o público e o privado (neste se incluem as Matas Nacionais, http://www.icnf.pt/portal/florestas/gf/regflo/mat-nac),  e
  3. Privado – o restante.

   Por força dos Decretos dos anos de 1901 e 1903, várias áreas portuguesas estão sujeitas ao Regime Florestal* (http://www.icnf.pt/portal/florestas/gf/regflo). Enquanto o Regime Florestal em Matas Nacionais é “Total”, ou seja, é aplicado em terrenos do Estado, por sua conta e administração; o Regime Florestal em baldios é “Parcial”, é dizer, permite a GCF efectuada por compartes de forma autónoma ou em co-gestão com Serviços Florestais.


   Desde o início do século passado, as comunidades rurais foram sendo afastadas da gestão das áreas comunitárias, mas não das Matas Nacionais. A ocupação de áreas baldias pelo Estado, para a implementação do Regime Florestal naquela altura, ocorreu de forma autoritária. Por outro lado, a preparação e aplicação do Regime Florestal em áreas baldias e estatais foi o primeiro passo dado em política florestal, que tentou juntar duas importantes visões sobre o desenvolvimento: ambientalista e produtiva. O Regime focou-se principalmente na travagem da erosão do solo em áreas montanhosas com solos esqueléticos e, ao mesmo tempo, na produção de madeira, aproveitando áreas abandonadas e esgotadas pela agricultura intensiva e/ou pastagens.


   Depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, às comunidades rurais foi devolvido o direito histórico de uso, fruição e administração dos seus baldios, que actualmente ocupam entre 13-15% de área florestal total. No entanto, cerca de 3/4 dessas comunidades optaram pela co-gestão das suas áreas florestais com os Serviços Florestais. A nova Lei dos baldios n.º 75/2017, de 17 de agosto, aprovada no âmbito da Reforma Florestal de 2017, prevê que, até ao ano de 2026, seja atribuída delegação de poderes de administração das áreas florestais baldias, na sua totalidade, às assembleias de compartes (caso estas existam) e o desenvolvimento de novas modalidades do regime de associação entre os compartes e o Estado. Mas, os resultados de avaliação que acabamos de implementar no CEABN/ISA em colaboração com FAO demostram que ao nível nacional em muitos baldios o interesse das comunidades rurais/compartes na GCF das suas áreas communitarias é fraca ou insuficiente. Desta forma gostaríamos de perguntar: será que a implementação do GCF nas Matas Nacionais é uma boa ideia?


   Como já foi em cima referido, as Matas Nacionais pertencentes ao domínio privado do Estado, têm um proprietário bem identificado. Não existem comunidades locais/compartes, nem direitos consuetudinários de uso e fruição – o que é o cerne do conceito de “Baldio”. Ou seja, aplicar a terrenos privados os princípios inerentes a terrenos comunitários é misturar conceitos e desvirtuar a essência de terrenos comunitários. Misturar as Matas Nacionais com os baldios pode ser uma porta aberta para que os terrenos comunitários percam a sua força e a razão da sua existência, podendo dar origem a que dentro de décadas a sua realidade deixe de existir, tanto mais que está ligada à efectiva e real ocupação do mundo rural, que como todos sabemos está a sofrer forte desertificação humana. O que não significa que os organismos do Estado que têm a competência para gerir o património privado do Estado não contem com a ajuda e colaboração da sociedade civil.




* O Regime Florestal diz respeito ao conjunto de disposições destinadas a assegurar não só a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública, e necessária para o bom regime das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias, no litoral marítimo (parte VI, artigo 25.º, do Decreto de 24 de dezembro de 1901).

É com satisfação que  participo desta iniciativa com um pouco da minha experiência nas andanças pelo Brasil debatendo em fóruns, aplicando cursos em economia socioambiental e também como editora de uma ampla rede de cooperação comunitária:


 


Miguel - Quais os requisitos para a implementação de políticas públicas de Gestão Comunitária de Florestas - GCF?


 


Amyra - Em primeiro lugar, reconhecer o significado de “políticas públicas de GCF”, uma vez que no Brasil, quando nos referimos à GCF há inúmeras intervenções de ordem político-partidária. A seguir, considerar que o território brasileiro tem dimensões continentais, colonizado por diversas etnias, recebendo desde sempre refugiados de diversas regiões, com uma população multirracial, multicultural e de pluralidade religiosa, além do fato de que nestas terras encontravam-se diversos povos indígenas que foram massacrados com a descoberta das Américas.


 


Portanto, a dificuldade de estabelecer uma “política pública de GCF” já começa desde o “reconhecimento” desta matriz cultural e do mosaico com experiências e seus conflitos na identidade geopolítica territorial. Ou seja, ainda não conseguimos construir uma política pública de GCF que seja efetiva, já que as disputas políticas acabam por amordaçar iniciativas e abortar projetos idealizados na base da sociedade contrários ao establishment.


 


Miguel - Que modelos de GCF podem ser adotados?


 


Amyra - Será necessária a emergencial reforma agrária e a demarcação das terras indígenas, pois uma questão interfere na outra, além do combate às práticas recorrentes de avanço da fronteira agrícola e da mineração sobre as florestas tropicais. Estamos vivenciando no Brasil um retrocesso legislativo, que entrega o território brasileiro para exploração e apropriação de estrangeiros com a aquisição de extensas áreas a corporações transnacionais, como é o caso da mineração de ouro no Pará e agora nas reservas extrativistas da Amazônia, em regiões que, em princípio, são “tuteladas” pelo Estado.


 


Se não adotarmos estas medidas emergenciais, bem como defender os dispositivos constitucionais, legais e as salvaguardas jurídicas, não há como programar nenhuma GCF que seja efetiva e que realmente tenha a participação proativa dos comunitários.


 


Miguel - Quais as limitações dos modelos de GCF?


 


Amyra - Como disse anteriormente, a definição de modelos de GCF passa antes por uma ampla consulta pública, com respeito às salvaguardas jurídicas a partir das demandas das comunidades que vivem desde sempre nessas regiões. As florestas no Brasil têm sido sistematicamente saqueadas e exploradas sem o menor critério de gestão comunitária. Pelo contrário, a comunidade tem sido expulsa ou condenada a viver como miserável pela exploração de suas riquezas naturais.


 


Miguel - Qual o impacto do programa REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) e outros incentivos do gênero “pagamento por serviços ambientais” na gestão comunitária de florestas?


 


Amyra - O discurso de “sucesso” dos governos da Amazônia e de outros biomas que adotaram o REDD e os pagamentos por serviços ambientais não convergem com uma série de denúncias que temos apurado e que têm sido registradas também por diversas missões e relatorias em todo o Brasil.


 


O REDD se estabeleceu após a crise financeira de 2008, a toque de caixa e sem que a sociedade entendesse qual é a ação vinculante dos contratos de REDD e como se dá a aplicação das penalidades caso não cumpram as condicionantes deste instrumento. Também não está clara a relação entre quem recebe o recurso financeiro e os gestores de tais recursos financeiros, que são consultorias especializadas e ONGs que se convertem em verdadeiras agências de crédito, como se fossem bancos de fomento. Há discrepâncias entre os valores creditados (divulgados) e os valores que chegam nas comunidades para os projetos. Esse assunto deveria ser objeto de auditoria contábil e fiscal, aliás.


 


Quanto à PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), foi instituída a Lei SISA (Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais) do Acre, assinada em 2010, sendo divulgada como pioneira no “modelo para GCF” para o mundo. Questionamos a Lei SISA do Acre com uma análise crítica da economia verde.


 


Ver artigos publicados em português, espanhol e inglês abaixo:


 


Lei de pagamentos por serviços ambientais do Acre beneficia mercado financeiro


 


Em inglês: http://earthpeoples.org/blog/?p=5562 e https://bbs.chinadaily.com.cn/thread-822832-1-1.html


Em português: https://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/pagamentos-por-servicos-ambientais-favorece-mercado-financeiro/29062017/


Em espanhol: https://operamundi.uol.com.br/dialogosdelsur/pagos-por-servicios-ambientales-favorece-mercado-financeiro/29062017/


 


Pós-Rio+20 – Uma análise crítica da economia verde e da natureza jurídica dos créditos ambientais


 


Em Português: https://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/analise-critica-a-economia-verde-e-creditos-ambientais/24072017/


Em Inglês: https://www.pravda.ru/opinion/columnists/20-12-2012/123254-green_economy_fraud-0/


Em Espanhol: https://operamundi.uol.com.br/dialogosdelsur/analisis-critica-a-la-economia-verde-y-los-creditos-ambientales/24072017/


Miguel - Como mesurar a implementação e impacto das políticas públicas promotoras da gestão comunitária de florestas?


 


Amyra - Com um projeto de educação socioambiental, com encontros, reuniões e debates comunitários cujos resultados devem ser apresentados em fóruns organizados para e pelos próprios comunitários e compilados para conhecimento público na academia e na imprensa, como estamos fazendo neste espaço importante de diálogo e troca de experiências.


 


É de fundamental importância dar voz às comunidades, dar voz àqueles que não são ouvidos pela grande mídia e nem pelo poder público. Este “eco solidário” fará com que as coisas saiam do campo dos textos, das teses, dos relatórios, das abstrações e passem para o campo da AÇÃO.


 


Do contrário ficaremos anos e anos discutindo, falando, escrevendo sem que os discursos sejam assimilados, vivenciados e reais. Ficaremos como se fôssemos maometanos pregando nesta imensidão do deserto intelectual, sem que se tornem, de fato, ação proativa. Somente a transformação de palavras em ações poderá alimentar nossa alma com sede de justiça.


 


Neste sentido, temos aprendido muito com você, Miguel, com seu lindo povo de Guiné Bissau. A nossa troca de informações tem nos estimulado e encorajado para o enfrentamento. Olhando a história e a dificuldade do “outro irmão(ã) africano, latino, árabe” a gente aprende a não sucumbir diante dos obstáculos.


 


A realidade de nossas florestas tropicais e dos campos é cruel, não se resolverá por implementação de políticas públicas, mas por uma revolução na essência de seu significado e em uma NOVA consciência como nos ensina o nosso querido mestre e professor Evandro Ouriques.


 


Que código de comunicação estamos passando para os jovens que serão as futuras lideranças? Que horizonte de esperança encontrarão pela frente, especialmente os jovens que vivem nas e das florestas?


 


O nosso desafio está na ordem do pensamento, de uma ética e de valores morais que norteiam o combate à corrupção endêmica e no combate à autofagia do sistema financeiro e político.


 


Muitas vezes os recursos financeiros destas políticas, ao invés de ajudar, acabam por prejudicar os menos favorecidos causando disputas e rupturas como está ocorrendo com muitos povos indígenas e tradicionais no Brasil por consequência das políticas climáticas que se tornaram política econômicas financistas com a adoção da “falsa solução”, no caso, o mercado de carbono e seus derivados, os Pagamentos por Serviços Ambientais, REDD, REDD+, Créditos de Compensação, Créditos de Efluentes etc.


 


Agradeço a oportunidade para o diálogo e troca de experiências!


 


Amyra El Khalili


Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras


Movimento Mulheres pela P@Z!

Caríssimos (as), 


 


Peço-lhes desculpas, pois estou com enorme dificuldade de tempo para responder as perguntas desse importante diálogo virtual. O ideal seria uma prorrogação do prazo de consulta. Na impossibilidade e para não deixar de enviar alguma contribuição, pois o prazo está se encerrando nessa semana,  tomo a liberdade de enviar uma publicação de um trabalho da entidade FASE da qual participo.


https://www.docdroid.net/PZDPERx/publicacao-regularizacao-fundiaria-e-manejo-florestal-comunitario-pdf


No item 3, sobretudo, há um mosaico de possibilidades de regularização fundiária e manejo florestal que integram o Sistema de Unidades de Conservação no Brasil. Atualmente há um processo de alterações e desmonte dos marcos regulatórios da questão ambiental e agrária.Mas o exemplo da luta dessas populações fica como marca importante da história de conquistas. 


 


Também envio-lhes o posicionamento de um Grupo denominado Grupo da Carta de Belém, do qual a FASE também participa, que contém de forma sintética crítica à denominada economia verde e seus instrumentos de mercado, que inclui REDD e outros. Envio-lhes também anexado. 


https://www.docdroid.net/tZapPmi/quem-e-o-grupo-carta-de-belem-pdf


 


São temas polêmicos para debate. 


 


Caso seja prorrogado o prazo para respondermos às importantes perguntas poderei respondê-las. 


 


Peço desculpas à ACTUAR e demais organizações por não conseguir participar da forma proposta de resposta às questões. . Atenciosamente, Maria Emília 

Olá,

 

boa tarde a todas e todos.Um bem haja a vocês pelos vossos valiosos contributos.

Tentando avançar no debate levantaria as seguintes questões sobre o tema da gestão comunitária de florestas:

-Que atores deverão ser envolvidos na criação e de políticas públicas de acesso, controle, proteção e conservação dos recursos naturais da floresta nos países-membros da CPLP? 

-Que políticas públicas devem ser adotadas por forma a facilitar e fomentar a GCF? 

Os progressos alcançados no campo ambiental, infelizmente foram à custa da valorização dos saberes ancestrais e tradicionais, que permitiram salvaguardar o patrimônio natural que hoje temos. O modelo colonial assentou o seu crescimento à custa de territórios ocupados e explorados que dizimou culturas, tradições, territórios e recursos. Esse modelo extrativista empobreceu nações e ficou insustentável com o fim formal da colonização. 


Entretanto, o fim da colonização não implicou o fim do modelo econômico colonial. Construiu-se uma “visão do Norte”: desenvolvidos e produtores de tecnologia; e Sul: subdesenvolvido e fornecedores de matéria-prima, como as antigas colônias. Isso teve como consequência o aumento da dependência dos países do Sul em relação ao Norte e o reforço de uma visão financeira da gestão dos recursos naturais e do ambiente. Gerou conflitos fortes nos países africanos, por exemplo, República Democrática do Congo, Gabão e Nigéria, um dos mais ricos do continente africano, cujas lideranças lutam pelo controle dos recursos naturais para servir de fiel parceiro à antiga potencia colonizadora, mas sem criar condições de transformação de condições de vida de quem produz ou de partilha das vantagens, menos ainda de geração de capacidade interna de transformação. 


Em consequência, a saúde dos recursos ambientais, dos serviços dos ecossistemas e das populações foi degradada, esses países estão hoje mergulhados em crises políticas internas graves e profundas, com risco de colapso.


Numa outra linha, a emergência dos BRICS não melhorou muito o panorama, sobretudo com comportamentos verificados no plano nacional de países como o Brasil e a Índia, cuja sociedade tem um enorme contingente populacional e servidora dos recursos naturais, cujas situações de expropriação de terras produtivas e agressões aos camponeses estão a acontecer a favor do lobby florestal, da especulação imobiliária e da indústria mineira, numa clara afronta aos diretos de propriedade e direitos humanos de proprietários tradicionais de espaços que antecederam a própria existência do Estado moderno tal e qual conhecido hoje. 


Isso ainda torna-se mais preocupante quando encontramos a China como um dos países emergentes que mais está a colonizar África, alienando governos e presidentes com “doações” em infraestruturas precárias, a troco de devastação dos recursos pesqueiros e florestais. O exemplo é o meu país: o que a China lucrou com corte ilegal e abusivo das florestas só em exportação direta da Guiné-Bissau correspondeu ao valor do investimento feito pela China na construção do palácio da Assembleia Nacional Popular (parlamento), cuja edificação foi feita apenas com equipamentos e mão-de-obra chineses em degradação. Esta situação é igualmente homóloga à do Brasil que, por exemplo, aproveitando as relações de fraternidade com os países africanos de língua oficial portuguesa, como é o caso de Moçambique, está a fazer grilagem de grande extensões de terra para produção em monocultura e uso de transgênicos na produção.


Ou seja, isso mostra que até podem mudar os protagonistas, de esquerda ou de direita, mas se o modelo econômico mundial baseado no extrativismo e na especulação financeira não se alterar, os modos de relacionamento com os recursos naturais e ambientais jamais poderão ser duráveis, pois a sustentabilidade não pode ser vista apenas no campo de fluxos financeiros, mas sim na capacidade de conservação, provisão de serviços sociais e culturais, capacidade de geração de renda ecologicamente aceitáveis, utilização de tecnologias adaptadas e não colonizadoras e, consequentemente, o respeito pelos valores que cada pessoa associa na sua relação com o espaço natural.



É possível uma economia verdadeiramente “sustentável” dentro dos marcos do capitalismo, isto é, da gestão lucrativa de biomas, ecossistemas e locais específicos onde o capital ficar responsável pela sua exploração econômica?


Miguel de Barros: Com certeza não é possível, e não se trata de uma retórica e nem utopia. As experiências de economia justa baseada em trocas, produtos, mercados e serviços solidários é hoje uma realidade não só nos países cuja capacidade econômica permitiu injetar contribuições públicas para o terceiro setor, mas também em zonas periféricas e semiperiféricas que têm adotado forma de vida em comunidades que procuram maior sustentabilidade. 


É o caso, por exemplo, do Brasil, onde existe uma rede de Ecovilas com enorme potencial de altermundialismo e que conseguem promover permacultura, integrando métodos holísticos para planejar, atualizar e manter sistemas de gestão ambiental sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis. Aliás, pude visitar duas experiências aqui nos arredores de Brasília, o Sítio Nós Na Teia e Aldeia do Altiplano, exemplos de locais há 15 e 25 quilômetros de Brasília, onde encontramos pessoas em comunidades que estão na vanguarda de modos de vida sustentáveis. Promovem produção biológica e integrada, agroflorestal, bioconstrução, sistemas de aproveitamento e distribuição da água das chuvas, uso de energia alternativa e feiras para troca dos produtos. 


O desafio será ampliar cada vez mais esta forma de estar com outras comunidades e outros povos. Por exemplo, na África já temos comunidades étnicas que vivem em harmonia com espaços e recursos naturais. É o caso, por exemplo, dos Bijagós na Guiné-Bissau, que vivem num arquipélago de 88 ilhas e ilhéus dos quais apenas 23 são habitadas. Desenvolvem formas de gestão do espaço natural através de um sistema de sacralização de recursos marinhos e florestais estratégicos fundamentais para sua sobrevivência como um povo. Esse mecanismo tem permitido durante séculos financiar um sistema de segurança social e transmissão de saberes e valores que inspiraram a criação das áreas protegidas de gestão comunitária com a participação de comunidades tradicionais locais na cogestão desses territórios na Guiné-Bissau.


Isso significa que quanto mais partilhadas tais experiências solidárias entre atores, mais podemos pensar em modelos de sustentabilidade, com processos de transferibilidade de competências e ativos como forma emancipação e superação de dependência de mercados e estilos de vida mais perniciosos.


Claude Ake define bem o que se passa na África e hoje é o retrato do que vivemos na Guiné-Bissau. Segundo este pensador ganês, o que vivemos é uma crise de simultaneidade, ou seja, não sabemos se é a democracia que leva ao desenvolvimento ou se é desenvolvimento que leva à democracia. Mas a verdade é que aspiramos todos nos desenvolver sem consensos em torno das nossas necessidades e prioridades, e sem cultura democrática que permita com que o exercício do poder político se assente na prestação de serviço à sociedade.


As instituições do Estado são frágeis e descontínuas. Os servidores do Estado servem-se do Estado sem garantir serviços que favoreçam a satisfação das necessidades básicas da população. Daí que a abordagem dos governos tem sido bastante imediatista, tendo em conta a abordagem de necessidade, mas sem exame das prioridades e capacidade de mobilização de recursos econômicos e financeiros que geram impacto não só na macroeconomia, mas também na geração de emprego, na promoção de investimento público e na melhoria das condições de vida das mulheres em terem parto seguro, das crianças em terem escolas sem greves, de abastecimento à energia elétrica e acesso à agua potável, enfim, até nos pagamentos de salários regulares sem “apoio” internacional, recurso da venda de títulos de Tesouro.


Em contraponto, o investimento privado é nulo. É centrado apenas num único produto de exportação, sazonal e produzido em regime de monocultura, castanha de caju. Mas esse mesmo setor privado é o único que beneficia um sistema de crédito amórfico, são os que detêm dívidas com o Estado e que depois integram partidos políticos e estruturas presidenciais para fugir do fisco e não cumprir com as suas obrigações.


Resultado: o país com forte potencial natural e de desenvolvimento não consegue transformar em grande escala os seus produtos, recorre aos intermediários estrangeiros (China na exploração de madeira; União Europeia na pesca; Rússia na exploração mineira; Índia na exploração do caju), e deste modo aliena todo o seu potencial de crescimento e desenvolvimento sustentável.


O que a sociedade civil, em particular algumas ONGs, têm chamado atenção, como é o caso da Tiniguena – Esta Terra é nossa, organização que dirijo há três anos, fundada ha mais de 26 anos por uma Assistente Social que trabalhou com Paulo Freire na educação em língua materna das comunidades rurais, Augusta Henriques, a quem aproveito para homenagear o seu combate, é que o Estado deve mudar a sua lógica de desenvolvimento sob pena de empobrecer o país e esgotar os recursos e gerar maior dependência externa. Para efeito, propomos e desenvolvemos ideias de investimento em quatro setores: 


-    Reestruturação do sistema produtivo: significa o investimento na segurança alimentar e nutricional através de incremento de políticas públicas que permitem apoio direto à agricultura familiar camponesa na promoção e diversificação dos potenciais de produção (rizicultura, horticultura, fruticultura, silvicultura); 


-    valorização socioeconômica dos produtos da biodiversidade: recursos pesqueiros, marinhos e florestais: criamos há mais de 10 anos o slogan “kil ki di nos ten balur”, ou seja, o que é nosso tem valor, com aposta da linha dos produtos da terra, e tem gerado grande impacto na promoção de criação de autoestima e de estímulo à produção dos atores socais; 


-    educação ambiental e para a cidadania: temos apostado numa escola de pensamento e de ação desde a fase de adolescência com as escolas e que permita aos guineenses descobrirem o seu potencial natural e cultural, a sua história, mas também os desafios que enfrenta. Desde 1993, com lema “conhecer para amar, amar para proteger” estamos a permitir com que a geração de guineenses seja militante do desenvolvimento do seu país e produtora de uma cidadania ativa contra o estado das coisas; 


-    por último, governança participativa, na qual temos tido ações de mobilização das comunidades rurais na gestão direta do seu território, como são casos da animação do processo de cogestão da área marinha protegida comunitária das ilhas Urok e na legalização de terras comunitárias dos agricultores no sul da Guiné-Bissau, mas sobretudo a implicação da Sociedade Civil na monitorização e fiscalização das políticas públicas na matéria de exploração dos recursos naturais (floresta, pesca, minas e petróleo). 


Assim acreditamos que estamos a criar possibilidades não só de influência de políticas favoráveis ao desenvolvimento durável, mas simultaneamente forjar uma nova geração mais capaz e comprometida com a sustentabilidade da sua sociedade. É essa a visão na qual estamos a trabalhar para que seja apropriada pelo Estado.  


Há uma ligação entre a disputa pela natureza e suas riquezas e velhas formas discriminação, como o racismo, tema central do encontro que debatemos no começo da entrevista?


Miguel de Barros: Esse fenômeno existe, sobretudo, em países como Brasil e Índia ou África do Sul, mas também nos modelos projetados pela atual China capitalista e expansionista, onde modos de exploração de recursos naturais têm cor da pele (índios, negros e minorias étnicas), implica expropriação de grandes extensões de terras, exploração da mão-de-obra e precariedade laboral, bem como exposição a riscos de doença e ainda repressão policial. No fundo, transformam os donos da terra em operários nas suas próprias terras sem se beneficiarem do que produzem, assim como da mais valia do que produzem, além de empobrecer as terras, as culturas, os saberes da tradição local dos povos indígenas.


Muitas das vezes, esses processos são acompanhados com sistema de endividamento de camponeses que depois dos solos ficarem mais pobres, são obrigados a comprarem em regime de crédito fertilizantes químicos e sementes transgênicas com baixa capacidade de reprodução e algumas vezes para culturas não alimentares, como é o caso de algodão, criando-lhes a ilusão de um mercado que não dominam. E que assim torna-os completamente dependente dos novos “donos” das suas antigas terras e deste modo nunca mais sair de um sistema escravocrata.


Acreditamos que a gestão comunitária das florestas é um dos meios mais eficazes da conservação dos espaços e recursos florestais. Por exemplo, o meu país conserva ao sul as últimas manchas de florestas subtropicais da África ocidental - a Cantanhez. Florestas de Cantanhez onde os guerrilheiros do PAIGC estiveram e resistiram durante 11 anos na luta contra o colonialismo para a independência nacional. Na década de 2000 foi elevada ao estatuto de parque nacional com comunidades locais residindo no seu interior. 


Muitos não compreenderam por que, mas o segredo era ter sido considerada patrimônio a preservar, correspondia a 14 florestas sagradas que a etnia local usava como santuários, espaços de rituais e fontes de vida. Ou seja, foi graças ao saber cultural desses povos que se conseguiu preservar aquele que é um dos maiores patrimônios da África ocidental. Com isso, aprendemos que a comunidade deve estar no centro da gestão comunitária, devido a funções sociais e políticas que a sua cultura e o seu saber desencadeiam. 


Deste modo, o nosso apelo é apenas reforçar esses mecanismos dentro da melhoria do quadro legal florestal com vista ao reconhecimento dos direitos das comunidades locais no seu controle e gestão, reforçar as competências e capacidades educativas, técnicas, operativas nas instituições públicas descentralizadas, nas organizações comunitárias implicadas na gestão florestal e nas comunidades e, por fim, criar oportunidades econômicas, de emprego e serviços às comunidades locais através de produção, transformação e valorização dos produtos florestais não lenhosos e do ecoturismo florestal. Esta é uma aprendizagem que podemos partilhar com o mundo.


As mulheres constituem o baluarte da conservação florestal, a reserva na salvaguarda dos saberes sobre conhecimento de propriedades das essências florestais e dinamizadoras da economia florestal, através de modos de exploração que respeitem o calendário natural da regeneração dos recursos.


Vou dar um exemplo: na zona norte da Guiné-Bissau, uma confederação camponesa iniciou uma experiência piloto de gestão comunitária das florestas devido à forte ameaça dos chineses, que invadem as suas florestas com autorização de licenças emitidas pela direção geral da floresta. 


Depois de darem conta que os homens não eram capazes de enfrentar os chineses, as mulheres dessa confederação entraram nas matas, aprisionaram todas as motosserras dos invasores e ainda confiscaram todas as árvores curtas, exigiram indenização das árvores cortadas e proibiram os delegados florestais de acesso a suas zonas de floresta comunitária. Quando fomos perguntar o por que dessa medida tão drástica, uma delas respondeu: se um ladrão assalta um banco, qual é a medida que lhe é aplicada?! Surpreendente! Ou seja, a visão que essa mulheres têm da gestão florestal é, sobretudo, todo um modelo de promoção de sustentabilidade, geração de renda com base na solidariedade e liderança na sua governança.


 


Texto retirado de : http://www.correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/13002-guine-bissa...


 

Caros colegas, 

como já temos tido oportunidade de mencionar em outros debates que têm ocorrido nesta plataforma, o Mecanismo de Facilitação da Participação da Sociedade Civil no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional da Comunidade de Países de Língua Portuguesa tem participado ativamente das discussões ao nível da governança da terra e território nos países da CPLP. O MSC-CONSAN tem, como sabem, lutado pela aprovação das Diretrizes Regionais de Apoio e Promoção da Agricultura Familiar na CPLP (aprovadas finalmente em Julho de 2017, na II sessão extraordinária do CONSAN-CPLP), onde os Estados Membros da CPLP se comprometem a aplicar de forma progressiva as Diretrizes Voluntárias para a Governança Responsável da Terra, dos Recursos Pesqueiros e Florestais no contexto da Segurança Alimentar Nacional e elaborar relatórios de acompanhamento nacionais, no âmbito dos Conselhos Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, que possam contribuir para a elaboração de um relatório, segundo modelo aprovado pelo CONSAN-CPLP, com o objetivo de aprofundar a convergência política, o intercâmbio e a cooperação nesta matéria (Diretriz 3.1 das Diretrizes Regionais de Apoio e Promoção da Agricultura Familiar na CPLP).

A gestão das florestas é um tema particularmente importante para o MSC-CONSAN, na medida em que vários dos países de língua portuguesa contam ainda com importantes áreas florestais, apesar da assistirmos à redução sistemática da extensão das mesmas. Dada a centralidade do papel das florestas para a segurança alimentar e nutricional e para a conservação da biodiversidade, a gestão das florestas torna-se um elemento crítico para a proteção e promoção dos próprios guardiães dos conhecimentos tradicionais associados a essa biodiversidade nessas importantes áreas florestais. 

É o caso, por exemplo, de São Tomé e Príncipe, que conta com uma reserva significativa de floresta primária e secundaria de alta qualidade, com flora e fauna endémicas com valor científico e de conservação excepcionais, pelo que o acesso e uso das mesmas requer uma governanca sustentável que exige necessariamente uma partilha equitativa, justa e equilibrada dos benefícios decorrentes da mesma. Neste país, a sociedade civil organizada em torno das redes RESCSAN-STP e RedeBio tem conseguido pressionar os atores governamentais no sentido da ratificação de importantes protocolos e tratados internacionais (como é o caso do Protocolo de Nagoya da Convenção da Diversidade Biológica, ratificado por Sao Tome e Principe no inicio de 2017). A RESCSAN-STP e a RedeBio têm ainda desenvolvido esforços recentes no sentido da sensibilização dos diferentes atores e formulação de eventual candidatura do sistema agro-florestal do país a património agrícola mundial (ver https://www.facebook.com/actuaracd/posts/1868618383195983). Evidentemente, a gestão das florestas no país, e muito particularmente do Parque Obô de São Tomé e do Principe, deverá contar com a participação ativa dos atores relevantes, a partir de modelos construídos e monitorados coletivamente. Para a proteção e promoção efetivas da biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados, faz-se, portanto, necessária uma gestão comunitária consequente, com uma atribuição clara de direitos e responsabilidades aos atores locais.

É fundamental ainda reforçar a importância da divulgação de informação e sensibilização dos diferentes atores sobre os direitos e deveres das comunidades locais na gestão dos territórios comunitários e sobre as consequências eventuais da adoção de soluções questionáveis como é o caso dos mercados de carbono. É fundamental que quaisquer soluções para o problema de desmatamento e para a valorização de florestas, por exemplo, diferenciem claramente florestas nativas de monoculturas extensivas de árvores, e coloquem em primeiro plano as populações e as comunidades e a importância de um modelo de desenvolvimento assente no reordenamento territorial com base sustentável e no reconhecimento jurídico dos territórios dos povos e comunidades tradicionais. 

Abraços a todos e votos de um excelente novo ano de 2018, com novos debates e propostas desafiadoras de promoção dos direitos das comunidades tradicionais

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