Novo Código Florestal: a vitória de Pirro dos ruralistas (Brasil) | Land Portal

Autor:E de Oliveira Pires

Fonte: Jornal Carta Capital

 

Os ruralistas venceram, mas a vitória trará prejuízos irreparáveis e seu alto preço será pago por todos nós

 

 

Já se passaram mais de cinco anos, sem ter o que comemorar, daquele fatídico 25 de maio de 2012, em que a sanção da Lei 12.651 trouxe a vigência o Novo Código Florestal. À revelia do que alertaram renomados cientistas, com destaque para a contribuição da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e do memorável Geógrafo Aziz Ab’Sáber, sob patrocínio de uma míope bancada ruralista, a Lei traz uma série de retrocessos e ameaças reais à biodiversidade e ao mínimo equilíbrio ecológico, outrora resguardados. Dentre as “inovações”, destacam-se, além da anistia aos desmatadores, a redução das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e da Reserva Legal (RL).

Sem adentrar no mérito da anistia concedida, a qual se trata de gritante anomalia legislativa per si, passemos a discutir breve e resumidamente a questão das APPs e RL. Por definição legal, as APPs são áreas protegidas, com a função ambiental de preservar recursos os hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, de facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Já a RL é a área localizada no interior de uma propriedade rural (80% em áreas florestais do bioma amazônico, 35% em área de cerrado nesse bioma e 20% nas demais áreas e biomas), com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e flora nativa. As APPs e RL são, portanto, espaços especialmente protegidos em virtude de suas funções ambientais, que também podemos compreender como serviços que essas áreas prestam, os serviços ecossistêmicos. Mas será que a nova Lei garante a prestação de tais serviços?

O novo Código Florestal alterou diversos parâmetros de preservação das APPs. Ao alterar a definição de preservação em topos de morros, essencial para os processos de infiltração e escoamento de águas pluviais, além evitar movimentos de massa (desmoronamentos e deslizamentos), estima-se a redução de 87% nas APPs desta classe em todo o território nacional (1). As APPs nas margens de rios e nascentes (também chamadas de matas ciliares ou matas ripárias), fundamentais para a retenção de poluentes, redução da erosão e consequente assoreamento dos corpos hídricos, para a regulação de vazão e manutenção da biodiversidade, também foram alvejadas de morte pela Lei. Houve alterações muito importantes que, em alguns casos, fazem com que nenhuma função seja cumprida.

O primeiro ponto a destacar é a partir de onde começa-se a medir a mata ciliar: pelo código anterior, a partir do maior leito sazonal do rio, ou seja, de sua largura máxima no período de cheias; já no novo código, ela é delimitada a partir do leito regular do rio. Trata-se de uma sutileza descritiva nada inocente, embora possa passar despercebida. Some-se a isso, o fato que, em áreas onde não há vegetação nativa nas APPs ao longo dos rios (ou seja, onde houve desmatamento da mata ciliar), dependendo do tamanho da propriedade, a APP a ser restaurada (reflorestada) é de cinco metros de largura. Cabe aqui ressaltar que, nos projetos de plantio de florestas de espécies nativas, via de regra opta-se, por razões técnicas, por um espaçamento entre as mudas de 3 x 2 metros. Ou seja, a Lei prevê que haja duas fileiras de árvores nas margens de um rio. Isso cumprirá alguma função?

Vale ainda lembrar que muitos de nossos rios, na época das cheias extravasam seus leitos em muito mais que cinco metros, fazendo com que a área sob recuperação fique alagada sazonalmente, acarretando um enorme insucesso no plantio das florestas. Novamente, sem cumprir qualquer função ou serviço ecossistêmico, comprometendo seriamente a qualidade e disponibilidade de água.

Quanto à RL, embora tenham sido mantidas as percentagens vigentes na Lei anterior, a forma de cálculo se alterou e, sem nenhuma surpresa, acarreta em redução de área preservada. Na atual legislação são computadas as APPs para integrarem o percentual da RL, o que, na prática, pode resultar em propriedades sem áreas de RL. Além disso, nas propriedades de até quatro módulos fiscais, a RL permitida será aquela existente até 22 de julho de 2008: caso não existissem à época, por terem sido desmatadas, não necessitarão ser recompostas.

Todas essas alterações (e outras tantas aqui não explicitadas), foram feitas para atender aos anseios de ruralistas pelo aumento de áreas para atividades agrosilvopastoris, o que, em seu estrábico ponto de vista, resultaria em maior produção e o seu precioso incremento nos lucros. Cabe aqui uma fundamental reflexão. Se as APPs e RL existem por seus serviços ecossistêmicos, será que a não prestação de tais serviços não geraria danos ambientais a ponto de inviabilizar a própria atividade econômica rural?

Peguemos o exemplo das abelhas, que dependem de áreas florestadas para sua sobrevivência. A polinização por elas realizada é fundamental para a produção de alimentos, havendo estudos que demonstram que 33% da alimentação humana depende, em algum grau, da polinização(2). Em termos de valores monetários, apenas na América do Sul, a polinização gera 11,6 bilhões de euros, por ano(3). Isso computando apenas o valor do serviço ecossistêmico da polinização. E se somarmos os serviços de proteção da água, o consequente aumento nos custos de tratamento e distribuição de água nas cidades, a redução da erosão, prevenção a deslizamentos e desmoronamentos, dentre outros. Será que o valor gerado pela produção agropecuária nas áreas anteriormente protegidas supera o valor dos serviços ecossistêmicos que deixaram de ser garantidos por lei?

Certamente não! Sim, os ruralistas venceram. Mas uma Vitória de Pirro, aquela acarretadora de prejuízos irreparáveis, obtida a alto preço, a ser pago por todos nós!

*Sócio desde 2017

 

REFERÊNCIAS

1- SOARES-FILHO, B.S., et al., Cracking Brazil’s Forest Code. Science, v.344, n 6182, 2014.

2- KLEIN, A.M., et al., Importance of pollinators in changing landscapesmfor word crops. Proc. Roy. Soc. B-Bio, 2007.

3- POTTS, S.G. et al., Global pollinator declines: trends, impacts and drivers. Trends Ecol., 2010.

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